Gisberta, transexual brasileira de 46 anos, foi encontrada morta no interior de um poço, num edifício inacabado do centro do Porto, a 22 de Fevereiro. Treze adolescentes com idades entre os 12 e os 15 anos, bem como um de 16 (que chegou a estar em prisão preventiva), maltrataram Gis, nome pelo qual era conhecida, durante três dias, antes de atirarem o corpo, ainda com vida, para o interior do poço. Um perito do Instituto de Medicina Legal do Porto concluiu que o transexual morreu por afogamento e que as lesões provocadas pelos adolescentes por si só não provocariam a morte.
Na leitura do acórdão, o juiz do Tribunal de Menores afirmou que os jovens tinham começado a dar porrada a Gisberta a 15 de Fevereiro. Foram ao local para ver uma pessoa que tinha seios e que se parecia com uma mulher, por curiosidade. Atiraram-lhe pedras nesse dia e agrediram-na a murro e pontapé. Segundo consta no acórdão, os jovens voltaram no dia 16 para continuar as agressões e destruir a cabana onde Gisberta dormia. No dia 18 voltaram de novo, atiraram-lhe barrotes em cima e, quando regressaram a 19 de Fevereiro, encontraram-na inanimada, refere o documento. Acreditando que o transexual seropositivo e tuberculoso estava morto, decidiram desfazer-se do corpo atirando-o para o poço. Gisberta, em Portugal desde 1980, foi enterrada em São Paulo, Brasil.
Os jovens, que tinham entrado bem-dispostos na sala de audiências, perderam o entusiasmo quando o juiz lhes disse que não tinham respeito pela vida humana e que tiveram o propósito de se divertirem à custa do sofrimento alheio.
Enquanto os familiares choravam, os jovens não tiraram os olhos do chão. No final da leitura da sentença, o juiz repreendeu os menores e apontou o dedo às instituições sociais que falharam no acompanhamento. A sociedade não é uma selva. Tiveram uma brincadeira de mau gosto, mas espero não voltar a vê-los por aqui concluiu o juiz.
CONHECIAM A GISBERTA E ATÉ A AXILIAVAM COM FREQUÊNCIA
No decorrer da leitura do acórdão, o Tribunal de Menores adiantou que dois dos treze jovens começaram a visitar o transexual brasileiro Gilberto Salce Júnior, em Janeiro, sendo que um deles o conhecia desde os cinco anos. Os adolescentes chegaram mesmo a auxiliá-la, confeccionando refeições que levavam ao local onde Gis pernoitava. Os dois menores contaram depois aos colegas que tinham feito amizade com um gajo com mamas e parecido com uma mulher.
A descrição de Gis despertou a curiosidade do restante grupo. Os colegas juntaram-se então várias vezes para visitar o transexual, de forma amigável. Mais tarde, os gestos de compaixão deram lugar a agressões. O Tribunal de Menores não encontrou uma explicação para esta alteração de comportamento.
O juiz adiantou ainda que os jovens consideraram que Gis merecia um funeral. Por falta de utensílios para cavar colocaram a hipótese de queimar o corpo, mas para não levantar suspeitas, decidiram atirá-lo para um poço.
PORMENORES
GESTOS OBSCENOS
À saída do Tribunal de Menores os jovens taparam as caras para não serem identificados e fizeram gestos obscenos aos populares e jornalistas que se encontravam no local.
ESTADO PROCESSADO
Pedro Mendes, advogado de um dos menores, adiantou ontem que vai avançar com uma acção contra o Estado, a Oficina de São José (instituição frequentada por 11 dos 13 arguidos) e a Câmara do Porto.
FAMILIARES
Duas jovens, irmãs de dois dos menores condenados afirmaram ontem ao CM que os adolescentes e os seus familiares ficarão com um trauma para o resto da vida.
REACÇÕES
As associações Portugal Gay e Panteras Rosa reagiram ontem com indignação à sentença aplicada pelo Tribunal de Menores do Porto, que consideraram vergonhosa.
OFICINA DE SÃO JOSÉ
O adjunto do director da Oficina de São José afirmou que a instituição tem crianças a mais para o espaço disponível. Marisa Monteiro, advogada de um dos jovens, admitiu entrar com um processo contra a instituição.
IRMÃOS
Dois dos menores (de 13 e de 15 anos) envolvidos na morte de Gisberta são irmãos. Os três jovens que o Tribunal considerou terem tido um envolvimento mais activo na morte de Gisberta têm 13, 14 e 15 anos.
FAMÍLIA DE GISBERTA
A família de Gisberta classificou de porcaria a sentença aplicada pelo Tribunal de Menores e anunciou a preparação de um processo civil contra o Estado português. Segundo os familiares, a medida foi sugerida pelo Consulado Brasileiro do Porto, representado na leitura da sentença.
QUINHENTOS
Existem cerca de 500 transexuais em Portugal, segundo a Opus Gay. A operação para mudar de sexo é comparticipada. O processo demora cerca de três anos. No privado, a intervenção pode ir dos 30 mil aos 40 mil euros. A alteração de nome demora cerca de um ano.
[Saiba mais sobre o caso Gisberta em: www.portugalgay.pt/politica/portugalgay71a.asp ]