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Sábado, 28 Outubro 2017 06:40

OPINIÃO
"E se fosse consigo?" - comentários



PortugalGay.pt

Na passada segunda-feira dia 23 de Outubro, a SIC lá passou o programa "E se fosse consigo?" que tinha sido adiado uma semana devido aos terríveis incêndios que têm assolado o país, muito devido às alterações climáticas (que ainda são negadas por determinadas pessoas) e ao elevado número de resilientes eucaliptais.


Como de costume, depois de ver o programa comecei a matutar no que iria escrever sobre ele. Antes que o pudesse fazer, eis que vejo dois comentários que resumem tudo o que poderia ter escrito sobre o programa.

Assim, em vez de um comentário meu, venho dar voz a outras pessoas que exprimiram antes de mim tudo o que eu poderia escrever. E como subscrevo o que está dito, não vale a pena estar aqui a repetir o que já foi dito.

O primeiro comentário é de Lara Crespo, activista trans e fundadora do Grupo Transexual Portugal:

“O último programa "E se fosse consigo?" da SIC foi dedicado ao delicado tema da transfobia.

Confesso que estava muito curiosa para ver como Conceição Lino e a sua equipa iam tratar o tema e fui agradavelmente surpreendida. Não há juízos de valor sobre as pessoas transexuais, e sim uma espécie de apanhado sobre o que é a transexualidade, quem são as pessoas transexuais e os preconceitos e discriminação a que estas pessoas estão sujeitas.

O mais importante neste programa foi a afirmação de que nem todas as pessoas transexuais desejam ou querem fazer todas as cirurgias para se sentirem bem e plenas, explanado por Conceição Lino.

De destacar, igualmente, as explicações de que transexual não é o mesmo que travesti ou transformista, e de que transexualidade não tem nada a ver com homossexualidade, sendo que uma pessoa transexual pode ter qualquer orientação sexual.

Os depoimentos de pessoas transexuais bastante jovens mostraram bem a discriminação a que todos e todas estiveram e estavam sujeitos, e revelou o quase total desconhecimento e tremenda ignorância em questões de identidade de género de uma sociedade que se diz em pleno século XXI e aberta.

Conceição Lino ressalvou algo extremamente importante: que muitas pessoas transexuais só mais tarde na vida se revelam ou assumem. Pode ser aos 40, 50, 60 anos. As condicionantes sociais, como o preconceito e a discriminação e também as dúvidas pessoais, insegurança, medo, etc., podem levar a que isto suceda.

Quanto à situação criada para revelar as reacções das pessoas a uma cena de pura discriminação, foi escolhida uma jovem mulher transexual que experimenta sapatos na secção feminina de uma sapataria e uma agressora que lhe diz que não tem nada que estar ali, que não é uma mulher nem um homem, é uma coisa e outras variantes de igual mau-gosto. Muita gente passa, muita gente ouve e vê a triste cena, mas poucos têm a coragem de dizer alguma coisa ou tomar uma atitude. Mesmo assim, foram mais do que eu inicialmente pensaria, e mais da parte das mulheres cisgénero do que dos homens, apesar de ser um local de passagem e pessoas de ambos os sexos passarem por ali.

A nível clínico, falou a Dra. Zélia Figueiredo, psiquiatra e sexóloga no Hospital Magalhães Lemos, (re)afirmando que todas as pessoas transexuais nascem assim, são pessoas como as outras, e que geralmente revelam muito cedo - 3 ou 4 anos de idade - a sua verdadeira identidade de género, mesmo não tendo a noção disso nem a percepção de quem as rodeia.

Para variar, foi ouvido também o Dr. Décio Ferreira, cirurgião especialista nesta área, e que nos brindou com mais uma dose de termos como "disforia de género" para se referir às pessoas transexuais, passando a imagem dos "coitadinhos são doentes", introduzindo assim a patologização da transexualidade num programa que foi imaculado a esse nível - felizmente.

Apesar deste senão, este "E se fosse consigo?" dedicado à transfobia e às pessoas transexuais foi bastante bom e algo que era necessário há muito tempo. Portugal não está, de forma alguma, "à frente" a nível de mentalidades e de atitudes. O preconceito e a discriminação são reais e diários. Por tudo isto se torna urgente que existam mais programas como este, que expliquem, que ensinem, que despatologizem, que mostrem que as pessoas transexuais são pessoas como quaisquer outras,

Bom trabalho de Conceição Lino e da sua equipa, e que deveria ser seguido pelos outros canais e programas que se dedicam a questões sociais e de direitos humanos. Sim, porque é de direitos humanos que estamos aqui a falar.

Chega de transfobia. Porque a transfobia mata. E muito.

Lara Crespo, 25 de Outubro de 2017”

O segundo comentário (em resposta a um post meu em que dava os parabéns a Conceição Lino) é de Sérgio Vitorino, conhecido activista pelos direitos humanos e fundador das Panteras Rosa:

“Vi o programa. Não esperava que ele fosse tão centrado em pessoas tão jovens, foi excelente o espaço que lhes deram para falar, mas fiquei com a impressão de que foram todas indicadas pelo Décio e pela Zélia e que a produção parte dos médicos para as pessoas. Seja como for, os discursos de ambos os médicos, inclusivé sobre discriminação, foi ok.

O prisma próprio do "E se fosse consigo?", que é a evidenciação da discriminação, a par do foco no sofrimento das pessoas, deu à emissão uma carga muito dramática, o que foi em parte compensado pela genuinidade das pessoas transexuais que intervêm. Foi extremamente pedagógico, quase básico, mas esse é o estádio de conhecimento real da sociedade portuguesa.

Penso que o programa teve certamente um grande impacto em quem o viu ou verá, várias coisas aconteceram ali pela primeira vez na televisão portuguesa: a distinção que referes, a distinção clara entre identidade de género e orientação sexual, entre travestismo e transexualidade e até que nem todas as pessoas transexuais querem ou necessitam ir all the way no processo médico, nomeadamente, cirurgias ou parte delas.

Acho que nunca se tinham visto e ouvido transexuais masculinos como ontem, o programa destrói a representação exclusiva da transexualidade pela imagem da transexual feminina, permitindo entrever a diversidade de pessoas e situações dentro da transexualidade, mesmo que sobre uma base ainda binária, pois a produção (reflexo de ter partido dos médicos...?) escolheu centrar-se exlusivamente na transexualidade sem referências a outras realidades trans - constato a escolha, não é uma crítica, já é difícil num programa de uma hora explicar o básico, além disso as pessoas transexuais merecem até mais do que um programa.

E aquelas que contribuíram para o programa estão de parabéns, não é fácil assumir determinado grau de exposição, menos ainda suportar a violência da situação de discriminação encenada na sapataria, ainda por cima em 'loop'.

Sinto-me muito feliz por poder assistir a um momento destes, era há muito poucos anos inimaginável, ainda que espere ver o dia em que um programa como este, talvez menos centrado no processo médico, reconheça às pessoas a sua voz sem necessidade da voz do médico para as legitimar.”

Para quem não viu, ainda poderá visualizar o programa aqui:

www.sicnoticias.sapo.pt/programas/e-se-fosse-consigo/2017-10-23-O-preconceito-em-relacao-aos-transexuais?t=5.101499 .

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