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Sábado, 23 Setembro 2017 23:54

PORTUGAL
A(s) polémica(s) da(s) proposta(s)



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Como se sabe, foram discutidas na Assembleia da República, as 3 propostas existentes sobre a identidade de género, da autoria do BE, PAN e Governo (PS). As mesmas desceram à comissão da especialidade sem votação, visto uma ser da autoria do Governo, onde se tentará uni-las numa única proposta.


Como se esperava, já apareceram as primeiras manifestações de medo e ódio, mascaradas como sempre na defesa daqueles a quem se recusam os direitos.

Já na discussão, os partidos do costume (PSD e CDS) atacaram com unhas e dentes as propostas. Mas, como estamos próximos das eleições autárquicas, esses ataques não visaram as propostas em si, mas os partidos que as propuseram (e o Governo, claro). Debate sobre as propostas (leia-se conteúdos das mesmas) não houve.

Mas claro está que houve logo quem, através dos meios de comunicação, viesse bradar aos céus. No Observador, um Pedro Afonso, médico psiquiatra segundo o Observador, escreveu um artigo de opinião intitulado muito sugestivamente “A estratégia para acabar com os rapazes e as raparigas”.

Começa como introdução por creditar única e exclusivamente ao BE uma coisa a que chama de “ideologia do género” (já lá vamos), não mencionando o facto de existirem mais duas propostas que na sua base pode-se assumir que advogam o mesmo. Ou o Dr. só leu a proposta do BE, que foi a primeira a ser apresentada, ou o problema do Dr. é mais com o Bloco do que com a lei, atacando esta como meio de atacar o Bloco.

Não é caso único, noutro artigo no Diário de Notícias intitulado “Arcebispo de Braga considera lei do BE da identidade de género uma ameaça à civilização” lê-se sobre uma entrevista dada à Rádio Sim, do grupo Rádio Renascença, pelo dito Arcebispo. Novamente as propostas do PAN e Governo (PS) são obliteradas, ocultadas, como se houvesse uma única proposta do BE. Novamente o Arcebispo só deve ter lido a proposta do BE por ter sido a primeira.

Dá a sensação que estes artigos de opinião são “orquestrados” mais para um ataque às esquerdas, e mais precisamente ao BE (visto o PCP ser muito conservador nestes assuntos para um partido que se diz de esquerda), do que às propostas de lei em si.

Mas vamos lá ver então do que se trata quando se fala em “ideologia de género”. Segundo o Dr, trata-se de uma “ideia radical de que os sexos masculinos e femininos não passam de uma construção mental, cabendo à pessoa escolher a sua própria identidade de género”.

O caro Dr. faz aqui uma pequena grande confusão: confunde o sexo com identidade de género e com papéis de género. Não vou aqui explicar pormenorizadamente o que são estes conceitos, quem quiser que se informe bem na net (cuidado com certos sites brasileiros que mais do que informar, desinformam), sexo é determinado pela genitália com que se nasce, identidade de género refere-se ao género com que cada pessoa se identifica e que pode não coincidir com a genitália, papéis de género é o que a sociedade impõe a cada género como comportamento aceitável (com vestir, comportar-se em público, etc.).

Ora bem, as propostas visam somente o reconhecimento da existência de pessoas cuja identidade de género não condiz com a sua genitália ou com a teoria de género imposta socialmente, o seu direito a existirem e a usufruírem de tratamentos e/ou cirurgias por vontade própria, não impostas.

O dito Dr. continua depois a atacar o BE, como se esta luta fosse dele (Bloco) e não da comunidade trans, como se a luta que a comunidade leva a cabo desde há longos anos precisamente por leis despatologizantes não existisse e fosse um mero capricho de um partido político. Nem tão pouco o Dr. explica qual a finalidade da promoção da ”ambiguidade da identidade sexual”, como se promovesse só por promover ou se calhar só para o chatear.

Claro que isto no meio de considerar as pessoas trans como “patologias”, coisa que comunidade rejeita por completo, e anormais.

Normal. Curiosa palavra. Considerar anormais pessoas que sempre existiram, pois desde a pré-história que existem provas da existência de pessoas trans e cuja existência se tem prolongado pela história, não será esta atitude mais anormal? Não se estará a trocar normal por maioritária?

E depois considera que “os casos de perturbação de identidade sexual (disforia de género) são complexos e levam por vezes os jovens ao suicídio, pelo que este assunto deve ser tratado com uma enorme prudência”.

Pois levam, caro Dr., mas o que não vê, talvez por desconhecimento ou conveniência é que a esmagadora maioria esses suicídios acontecem por consultas com médicos mal formados para atenderem a estes casos, demoras intermináveis nos processos, tentativas de formatação das pessoas, de modo a que caibam nos estereótipos de cada psiquiatra ou psicólogo, do medo e ódio que cada pessoas tem do que sai fora das normas, mais comumente chamado de transfobia, de cirurgias mal feitas ou com uso a técnicas já ultrapassadas (mas mais baratas), à não aceitação social e familiar.

Existem já inúmeros estudos, que pelos vistos o Dr. não leu a comprovar estes factos. Claro que o desconhecimento não é surpreendente. Eu própria inúmeras vezes não leio artigos ou livros que vão contra as minhas convicções (nunca li o mein kampf, por exemplo), portanto não é de admirar que o Dr. nunca tenha lido estes estudos ou que os tenha menosprezado se leu.

Mais argoladas, fala que a ideologia de género não respeita as regras da natureza. Considerando que na natureza não existe o absoluto, mas uma infinidade de tonalidades entre os dois pólos, masculino e feminino, dentro da qual cabe toda a existência humana, parece mais que a posição extremada assumida pelo Dr. é que não respeita a diversidade natural, querendo impôr a sua ideologia como um dado científico consensual e indiscutível. e isto sim é absolutamente falso.

E lá vem a mentira suprema, que a educação sobre estas realidades existentes baralha a mente das crianças. Baralha tanto que as crianças desconhecem tudo sobre quem são, muitas vezes com anos difíceis de recuperar precisamente devido a falta de informação de que este médico tanto tem medo. Já durante a idade média, o conhecimento era reservado somente para alguns, pois quanto mais ignorantes as pessoas forem, mais fácil é dominá-las. Exemplo: “os pais são expulsos do processo educativo”. Se uma pessoa não estiver bem informada, acredita. No entanto não há nada em nenhuma proposta que tenha este resultado.

Também diz que “os menores passam a ser “propriedade” do Estado que, no plano educativo e legislativo, lhes impõe um novo sistema de valores baseado na ideologia do género” o que em parte é verdade, pois o Estado já impõe o plano educativo e legislativo baseado na ideologia de género em vigor (para usar a mesma nomenclatura) mas é falso quando afirma que é imposta uma nova ideologia de género. É que ninguém está a impor nada, simplesmente se quer o reconhecimento de realidades existentes, a sua aceitação, respeito e direitos. E para se acabar com medos e ódios, tem-se necessariamente que ensinar que essas pessoas existem, são reais e devem ser reconhecidas como tal.

Há afirmação que “os psiquiatras e psicólogos são totalmente desvalorizados, sendo-lhes retiradas competências” há que reconhecer que é bem verdadeira. Em vez de fazerem o papel de polícias e juízes, pode ser que assim eles possam fazer aquele que deveria ser o seu principal papel: ajudar quem esteja doente (porque as pessoas trans não o estão) e ajudar a sociedade a lidar com estas pessoas e realidades, já que ao longo destes séculos todos em que existimos, isso ainda não foi alcançado. Esta sim, deve ser a competência a valorizar. Para que o Homem deixe de lutar contra a natureza e a aceite na sua plenitude.

E depois espalha-se ao comprido quando comenta sobre a ambiguidade sexual. Há uma efectiva recusa em aceitar estas pessoas, estas realidades, da sua parte e vai daí, como qualquer bom ditador, entra numa verborreia de “eu é que estou certo e os outros estão errados.

Bem, mas pelo menos num aspecto tem que se concordar com ele, quando afirma que “É necessário criar condições para que as crianças e os adolescentes possam crescer livres e mentalmente saudáveis”. E é precisamente isso que estas propostas de lei fazem, ao contrário da prática até agora usada. Existem inúmeros relatórios que comprovam o mal que é feito quando é negada às crianças e adolescentes as suas realidades, que lhe devem ter passado ao lado. Intencionalmente ou não. Já noticiei ‘n’ relatórios que focam precisamente isto, mas como vão contra as convicções, desvaloriza-se e não se lhes liga.

As identidades trans não são doença nenhuma nem fazem parte de nenhuma “ideologia de género” qualquer que se queira impor. São realidades de pessoas que expressam aquela que parece ser uma verdade inconveniente para muita gente: que a diversidade não se confina à cultura, existe em todo o lado, até na sexualidade. E este médico é o espelho daquilo que é uma das razões principais porque devem ser afastados destes processos: a incapacidade de lidar com a diversidade sexual existente.

Curiosamente, quem gosta muito de falar em “ideologia de género” é o papa Francisco, a quem lhe escapa uma verdade inconveniente: ao afirmar que deus fez o homem e a mulher esquece-se que as pessoas trans não são uma invenção moderna. Já existem desde tempos imemoriais. Sabe-se que muitas culturas e civilizações aceitavam estas pessoas. os problemas começaram quando uma religião foi imposta, religião essa que durante séculos perseguiu e foi apagando tudo com que não concordava. Tenho muitas dúvidas que o papa, um homem eleito por homens, saiba o que se passa na cabeça de Deus, seria muita presunção a sua parte, e quais as intenções para fazer um mundo tão diverso. Talvez queira ensinar a humanidade a lidar com a diversidade em todas as suas formas. E até agora as religiões mais disseminadas no mundo têm falhado estrondosamente. Em termos religiosos, e como quem somos não é (nem nunca foi) uma questão de escolha, é lícito dizer-se que se somos assim é porque Deus quis. E ao rejeitarem-nos, estão a rejeitar algo que é fruto da vontade de Deus.

Também é curioso que o Arcebispo de Braga, no seu discurso, não tenha mencionado a “ideologia de género” tão do agrado do papa. Em vez disso fala que “estamos a destruir a nossa cultura” (não vejo como, mas enfim) e o conhecimento do que são as pessoas humanas”. Completamente errado, muito pelo contrário, estamos a aprofundar cada vez mais o que significa ser-se humano, a aprofundar esse conhecimento.

E se formos falar de amadurecimento, pessoas há que nem aos 50 o estão. E nestes casos aos 16 anos uma pessoa sabe muito bem quem é.

Também não se vislumbra onde a autodeterminação de género possa produzir uma “sociedade sem valores” como afirma. Mas dos clérigos é habitual emitirem frases bombásticas sem explicarem nada. Dá-lhes uma aura de sabedoria, tipo “nós é que sabemos, não vale a pena explicar que não iam entender” e “nós é que sabemos o que é bom para vocês”. dá muito jeito para se fugir a perguntas desconfortáveis e debates que podem sair fora de controlo argumentativo.

E com que valores está o Arcebispo tão preocupado? Os mesmos que levaram a Igreja a rejeitar evangelhos da época porque estes tinham uma visão diferente da da Igreja? Os mesmos que levaram a que milhares de pessoas fossem queimadas por bruxaria? Os mesmos que levaram a igreja a auxiliar veladamente o regime nazi, ajudando mesmo alguns criminosos de guerra a escaparem após perderem a guerra, supostamente por serem contra o comunismo? Os mesmos que vendiam absolvições durante a idade média? São estes os valores que o Arcebispo tanto preza? Ou os mesmos que, agarrados a visões centenárias de um tempo em que não havia sobrepopulação, ainda acham que se deve procriar desalmadamente, sem verem que a sobrepopulação está a tornar-se um grande problema com a destruição desalmada da natureza e consequente extinção acelerada da diversidade biológica no nosso planeta? Ou o apoio a ditaduras opressoras tão do agrado da Igreja?

E como quer o Arcebispo reagir’ Talvez, como em vários países, lançando uma campanha de mentiras e difamação. Num desses países, por exemplo, vários prelados de várias igrejas afirmam que os desastres naturais, que se sabe serem devidos à avidez com que destruímos a natureza sem ter em conta as alterações climáticas que provocam, serão provocados pelas leis pró-trans? Ou que as pessoas trans são uma manobra de Satã?

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