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Opus Gay
Intervenção de António Serzedelo na Workshop Internacional de Jovens Socialistas



ESTEREÓTIPOS E PRECONCEITOS EM COMBINAÇÃO COM A TEORIA QUEER

Stereotypes and prejudices in combination with queer theory

29 Julho 2005, Figueira da Foz

"Não há revolução socialista sem revolução sexual, nem revolução sexual sem revolução socialista"

Eis um dos slogans que nasce em França nos meios homossexuais de 1974 e que me parece propositado trazer aqui a este grupo de jovens socialistas oriundos de tantos países, em busca de soluções alternativas, para o mundo globalizado que não seja exclusivamente, uma hipótese para os mais ricos, e afortunados.

Como neste workshop se propõe falar das várias relações que planam nas sociedades de hoje, relativamente ás sexualidades, relacionando-as com os "estudos queer" devo apresentar-vos, desde já, o que nos oferece esta nova abordagem das ciências sociais.

Começarei por dizer que os estudos queer, entre nós, ainda estão encerrados num armário, reservados a uma elite intelectual partidária que os divulga entre si, como tema a priviligiar entre eles, de resto um pouco á revelia do que se propõem esses mesmos estudos. Mas, em Setembro deste ano, a Universidade Nova de Lisboa vai ser palco de um seminário que se debruça sobre esta temática, da responsabilidade da Associação que faz o "festival de cinema gay e lésbico" de Lisboa.

Os "estudos queer "nasceram nos anos oitenta por reacção a determinadas ideias dos estudos gays e lésbicos. Tal como o feminismo, a teoria queer, com ele relacionada, vem propor-nos uma reviravolta epistimológica, que quer ultrapassar os conceitos "estigmatizantes" do homossexual e gay, pensando antes no "diferente".

Os estudos levam-nos a pensar o impensável, o que é proibido pensar, em vez de simplesmente, considerar o pensável, o que é permitido pensar.

Creio que estamos em plena república do politicamente incorrecto, porque a teoria queer não se restringe ás identidades e ao conhecimento sexuais, mas estende-se para o conhecimento e para identidade em geral.

Pensar "queer" significa questionar, problematizar, contestar todas as formas bem comportadas de conhecimento e de identidade. Segundo o estudioso brasileiro Tomás Tadeu da Silva é uma epistimologia subversiva, impertinente, irreverente, profana, em suma certamente interessante para futuros jovens dirigentes socialistas.

Para Anabela Rocha, uma estudiosa, militante portuguesa desta causa, os 'queer studies frisaram a instabilidade e incoerência das identidades sexuais, expondo que a fixidez de uma figura homossexual existe apenas para legitimar a falsa fixidez da figura do heterossexual.

Mais, ao ser o suplemento desviante deste binómio (heterossexual/homossexual), existe para garantir afinal, a heterossexualidade como norma, como centro, como neutro. "

Os 'queer studies' vêm dizer-nos que não vêm vantagens nas identidades sexuais colectivas, pois estas excluem as que não possam, ou queiram comportar-se como elas, ( o que acontece muito aqui entre nós), policiando-as activamente, para além de desconsiderarem aspectos da etnia e da classe. Concluiram que a construção das identidades sexuais está condicionada por factores como a etnia, classe, género, região e nação.

Tudo isto se tornará mais claro "com os recentes estudos sobre transnacionalismos, que analizaram a circulação das pessoas, bens, média e capital, e as suas consequencias politicas sexuais das culturas ocidentais e não ocidentais, concluindo que as formações sociais que têm muito mais poder material influenciam as práticas e identidades e corporalidades de outras formações. "

Os 'queer studies' explicam-nos que não se trata só de procurar a aceitação/integração numa sociedade mediada pela burguesia de forma a que o termo 'gay' não seja senão visto como um nicho de mercado para trazer mais e mais consumo.

Enfim, os estudos queer consideram que uma coisa são as estruturas normativas que priviligiam a heterossexualidade, e outra coisa são os padrões individuais organizativos de cada individual. Por outras palavras pessoas heterossexuais podem não ser hetero-normativas - é o que se espera de vós - e pessoas homossexuais podem sê-lo e infelizmente muitas são-no.

Uma das áreas que aqui deve ser abordada porque está na origem de confusões e de preconceitos é a questao da orientaçao sexual versus questão de género. Estas tornam-se particularmente importantes no que toca aos transgenders, . Por sua vez, há tambem muita ignorancia e até confusao, entre transgenderismo e intersexo, ou seja os individuos a que habitualmente, chamamos Hermafroditas.

Comecemos para vos dar algumas luzes sobre estas pessoas : na diferenciação sexual.

Um em cada 2000 nascimentos essa heterogeneidade é tal que levanta a questão : "Afinal é menino, ou menina?". São assim cerca de 5000 as pessoas em Portugal, e respectivos pais e família, que lidam, ou já lidaram com este problema.

Afinal o que são as condições intersexuais?

Qual é a resposta habitual? Ir a correr fazer uma cirurgia genital, meramente por razões cosméticas, de aparência, para que a criança tenha um corpo "normal".

Não se permita que façam cirurgia genital ao bébé sem se informar correctamente dos motivos pelos quais ela é realmente indispensável. Esses motivos devem ser exclusivamente médicos, ou seja, devem ter a ver com possíveis problemas de funcionamento anatómico da criança (por ex. renais, urológicos), e não deve aceitar motivos meramente relacionados com a aparência dos genitais.

A ambiguidade genital (dificuldade em decidir pelos genitais se é menino ou menina) não é um problema de saúde, porque o menino é perfeitamente saudável. É, eventualmente, um problema cultural. Cada vez mais pessoas vivem vidas normais e felizes com ele.

É que a cirurgia é violenta (regra geral é destrutiva: remove e desloca tecidos mas não cria estruturas) e irreversível, e pode prejudicar a vida emocional e sexual futura da criança, criando incapacidades irrecuperáveis e imenso sofrimento. Permita-se ao infante o gozo total das suas futuras sensações genitais e da sua vida erótica.

São muitas mais as pessoas com genitais diferentes daqueles que se pensam ser os normais do que aquilo que se imagina - pergunte a um ginecologista.

Crie -se bébé com um determinado género sexual (aquele que lhe for aconselhado como o mais provável de ser sentido no futuro dele por uma equipa vasta de médicos experientes em questões intersexuais, incluindo psicólogos), mas deixe -se à criança a oportunidade de decidir um dia se realmente quer esse género. O género sexual d a criança não está na forma do seu corpo mas sim no facto dele se identificar como homem ou mulher. Pense que mais vale uma eventual mudança de género no futuro que faça dele/a feliz e sexualmente realizado/a do que a prisão, o sofrimento e as incapacidades causadas por uma cirurgia precipitada.

A dificuldade em escolher um género sexual nada tem a ver com problemas de orientação sexual. Há pessoas com condições intersexuais que são heterosexuais, assim como há pessoas homossexuais e bissexuais.

Não permita que os médicos coloquem a capacidade de reprodução à frente da felicidade futura da criança . No entanto, saiba que muitas pessoas com condições intersexuais podem perfeitamente reproduzir-se, apesar de não terem os genitais que se esperava.

Existem hoje já muitas pessoas que não vivem como homem ou mulher mas sim como intersexo.

Passemos agora à questao dos transgenders, que tem sido objecto de várias directivas europeias, para os defender e mais facilemte integrar. A Ilga -Europe tem um grupo que produziu um documento de que vos transcrevo algumas partes para vos colocar perante os problemas . Mas antes coloco-vos as seguintes questões:

Todos os transsexuais operados, ou nao, sao heteresexuais? Um transsexual, para se considerar masculino, ou feminino(questao de género) tem obrigatoriamente de ser operado?Um transsexual tem de mudar de orientaçao sexual quando muda de sexo, ou de genero?UM transsexual do masculino para feminino, lésbica pode afirmar que já era lésbica antes de ser operada, porque sempre se identificou como mulher? Exemplo: A Presidente da Transsexualia em Espanha é uma transsexual lésbica, que aliás se queixa de ser vitima de preconceitos de muitas outras lésbicas.

E no século XVI, em Espanha houve um caso célebre, a freira -tenente( La monja àlferez) Catalina de Erauso que passou ao Novo Mundo para aí assumir o seu genero masculino, depois de fugir do mosteiro onde a tinham colocado os pais, voltando mais tarde à Espanha dos Filipes(1624), aureolada de respeito, porque se manteve virgem e intocada, como revelava o seu himan, depois de obervado por mulheres de muito saber, quando se descobriu o seu verdadeiro sexo, e voltou a ter de vestir os trajes feminos e de monja, assumindo de novo, o género feminino.

Vamos entao às reivindicaçoes da Ilga-Europa :

1. Igualdade total e direitos humanos, particularmente o direito à integridade física, abolindo por exemplo os requisitos legais da infertilidade irreversível ou da cirurgia de reatribuição de sexo forçada.

2. A liberdade de cada pessoa para exibir a sua própria identidade de género de acordo com a sua escolha ou ter a sua interssexualidade reconhecida conforme a sua própria escolha.

3. A protecção das crianças da cirurgia genital cosmética e/ou mutilação genital, antes que estas estejam aptas a dar o seu consentimento devidamente fundamentado.

4. A liberdade de ser plenamente reconhecido pela lei no que diz respeito ao estado civil na sua própria identidade de género, e em toda a documentação estatal e pessoal, sem prejuízo para o tratamento hormonal ou operações de reatribuição de sexo e sem requerimento legal de procedimentos de esterilização ou cirurgia irreversível.

5. A liberdade de não ver revelado pormenores sobre o sexo registado à nascença ou sobre a identidade de género.

6. A liberdade de casar independentemente do sexo ou identidade de género da outra pessoa. A liberdade de requisitos de divórcio.

7. A liberdade de assumir ou manter um papel parental, social ou biológico, na identidade ou expressão de género escolhidos.

8. A liberdade e o direito de receber os apropriados cuidados e assistência médica para reatribuição de género se assim o entenderem.

9. A liberdade de usufruir de um emprego sem medo de exoneração ou assédio devido a identidade ou expressão de género.

10. A liberdade para usar processos legais de protecção na sua identidade de género escolhida em todos os aspectos da sua vida.

11. A inclusão da identidade e da expressão de género em todos os artigos anti-discriminatórios e disposições legais.

E passemos agora às questoes de orientaçao, aquelas onde tambem se escondem muitos preconceitos e estereotipos:

A ideia de que todos aqueles que sao vistos socialmente como homens e casados, tem de ser heterossexuais? E todos aqueles que sao efiminados têm de ser homossexuais? E aqueles que têm um comportamento heterossexual público, mas uma orientaçao sexual homo, sendo aparentemente muito machos, só podem ser sexualmente activos? Um bissexual masculino, só pode ser activo, nao pode ser passivo porque tambem gosta de mulheres?

A ideia de que todo o homem gay tem de ser bonito, jovem elegante, branco, bem tratado, pertencente à classe média, corresponde à realidade social? Naõ há homens gays feios, descuidados, deselegantes, pertencentes a extractos sociais mais baixos, e de outras etnias? Nao ha homens ou mulheres que sao portadores de deficiencias e sao tambem homos? E por vezes tambem de etnia africana, ciganos, ou árabes, para falar na nossa experiencia quotidiana?

Que os homens gays sao sempre promíscuos, enquanto os heteros são monogâmicos?Que aqueles só pensam em sexo, e estes em amor puro?

Por isso aqueles, entre outras razões, nao se lhes pode conceder o casamento civil, enquanto estes o merecem plenamente?

Os travestis tem obrigatoriamente de ser homossexuais? De facto, a maior parte do travestimento, passa-se entre heteros que o usam como excitante sexual, um fetiche, na initimidade do lar, apesar da sua orientação sexual, e nao como factor de espectaculo como são os casos mais conhecidos.

Outra ideia exteriotipada é a que uma orientaçao sexual é definitiva. Algo que os "estudos queers" poêm em causa.

Algumas pessoas mudam de orientação sexual, ao longo da vida, o que explica muitos casos de homens ou mulheres que tiveram vidas heteros normais, muitas vezes tendo tido filhos dessa uniôes, e depois, mais tarde, descobrem um pendor homo que resolvem definitivamente seguir.

A forma como cada um se define será sempre a mais verdadeira, particularmente, se fôr a mais recente?

Perante esta multiplicidade de questões, que nao esgotam o painel, nem este workshop, vemos quanto sao necessarias que vocês apoiem cada vez mais, politicas sociais que defendam a diversidade das pessoas, -que é uma grande riqueza social- e que impeçam comportamentos de ódio, -que provocam graves rupturas no tecido social- devido a preconceitos e estereotipos, que vêm passando há seculos, e sustentados e alimentados , no nosso caso, por uma informação maioritariamente heterossexista, reaccionaria, de direita, baseada em falsos valores religiosos, em vez dos valores de uma sociedade laica e democratica.

E como se comportam entre nós a literatura e as artes? Têm elas contribuído para uma correcta visibilidade do mundo gay e lésbico português? A poesia em Portugal tem tido uma grande vertente homoerotica, e a propria Opus Gay já tentou fazer uma 1ª Antologia de poesia homoerótica de jovens poetas. Existe critica literária a esse respeito? Porque não temos uma imprensa lgbt regularmente decente?

E nas ciencias sociais e humanas ? Está totalmente por fazer uma pesquiza sobre os comportamentos gays e lésbicos, formas de sociabilidade, e até da história presente e passada do movimento. Quem sabe que, logo no dia 13 de Maio de 1974, 17 dias depois da Revoluçao de Abril, apareceu na imprensa portuguesa um Manifesto sobre "Liberdade para as Minorias Sexuais", a que estive associado, que logo na altura provocou uma forte intervençao negativa televisiva, de um general da direita portuguesa, entao membro da Junta de Salvação Nacional?

As associaçoes portuguesas têm uma practica muito fechada sobre si mesmo, tendo dificuldades em fazer passar a sua mensagem para outros grupos da comunidade, porque tem um comportamento guetificado, devido a terem uma mensagem com uma conataçao partidária muito excludente, que nao admite a diversidade que dizem defender. . Existe da parte dessas associações, uma tentaçao-estratégia, que está em curso, de fazer desta comunidade um condominio "mediático- economico-partidario", em que uns organizam eventos, enquanto os outros as aproveitam deles, para passar, exclusivamente, a sua mensagem partidária. E isto é possivel, porque nao existe, de facto, um sentimento de comunidade gay e lesbica, enraizado entre nós.

Isso tem permitido que muitas das reivindicações associativas acabem por surgir como iniciativas de membros da classe politica iluminados, das agendas politico-partidárias, ou da agenda mediática, mas não como fruto de uma pressao social de uma base social de apoio.

Que modelos pretendemos seguir, face á crescente pressão dos modelos americanos e norte europeus, e agora com o exemplo da Espanha, tão proximo, pondo mais a nu, a evidência do nosso atraso ?

Aos futuros lideres e jovens socialistas compete, corajosamente, trazer estas discussões para a praça pública, desloca-las da pereferia radical, onde fizeram o primeiro percurso, para a esquerda - centro, para maior aceitação do grande público, formulando-as de forma correcta e precisa, para suscitar uma discussao pública, que não permita mais, que se continue a falar, por exemplo, em patologização das homossexualidades, questão herdada da ciência do seculo XIX, e tão cara ao catolicismo integrista.

António Serzedelo


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