Lemos o seu [de Miguel Sousa Tavares] artigo "O caminho mais fácil" do PÚBLICO de 16/6/2000, que nos levanta alguns problemas e refere questões que não podemos deixar passar em branco, tanto mais que o senhor tem tomado a nosso respeito posições interessantes que não podemos subestimar.
Estamos de acordo consigo relativamente ao "refrescamento de ideias e discurso" que o Bloco de Esquerda trouxe ao nosso país. E isto, particularmente, à forma corajosa como vem defendendo a problemática da homossexualidade e suas derivações em Portugal, face à timidez dos socialistas e seus adjacentes no tocante às "questões fracturantes". Também não pensamos que uma pessoa por não ser a favor da adopção pelos homossexuais é necessariamente homófoba. Pode não ser! Mas também pode ser reaccionária, pelo menos neste caso concreto.
No tocante ao Projecto de Lei das Adopções proposto pelo BE, devo dizer-lhe que a Opus Gay, e alguns outros grupos que conhecemos, viram com um franzir de sobrolho a apresentação desta proposta tão a destempo no Parlamento. Certamente, se o BE, que tem a sua própria agenda política, tivesse vindo à fala connosco, lhe teríamos dito que achávamos pouco oportuno tal agendamento.
É que a questão central da nossa luta neste momento são as uniões de facto, e não pretendíamos, de forma nenhuma, tecer armas por uma questão que sabemos não ser pacífica, e cuja discussão está em aberto. Mas já que resolveu atirar-se a ela de forma tão violenta, não podemos deixar de fazer uma demarcação de territórios. O seu artigo começa por fazer uma adjectivação forte, negativa e manipulatória, nada propícia à tranquilidade de análise que esta questão grave deve suscitar.
O senhor vem em defesa da família tradicional. Faz bem! Traz um arsenal grande de exemplos que têm a ver com a... "lei natural da vida", a "natureza", etc. Devo dizer-lhe que é também com esses argumentos que outros menos argutos que o senhor atacam as uniões de facto ou os homossexuais. Tranquilize-se!
Nós também defendemos "a família natural". Só que vamos mais longe, e é nisso que somos, neste caso, seguramente mais modernos que o senhor. Também defendemos novos projectos de família que têm direito a existir, já estão aí, quer se queira, quer não. Famílias recompostas, monoparentais, homoparentais, fecundação "in vitro", são sem dúvida reviravoltas importantes ligadas ao conceito de família natural, mas são também hoje o território predilecto para as novas investigações da psicologia e psicanálise. E quando escrevo isto menciono os nomes de prestígio como Melanie Klein, Françoise Dolto, Donald Woods Winnicott, Maud Mannoni e A. S. Mill, mas haveria muitos outros a referir que lhe causariam tanta "estupefacção" como as opiniões da psicóloga Isabel Leal. Também estamos de acordo que há uma procura desesperada para preencher o vazio que a família deveria ter ocupado. Então que propõe o senhor? O regresso exclusivo à mesma família responsável pelo tal vazio.
Mas vamos à questão central que levanta a sua "provocação". Da legitimidade, ou não, de homossexuais e lésbicas tomarem a seu cargo a responsabilidade educativa de tornarem uma criança num adulto socialmente integrado.
Mesmos os casais supostamente heterossexuais podem, um, ou ambos, ser homossexual ou bissexual, com ou sem prática. Os filhos de tais pais tornam-se por isso adultos socialmente desajustados?
Quantos pais/mães conhecedores da sua sexualidade, e ocultando-a aos seus filhos, não poderão provocar maior confusão com o seu comportamento de mentira, no futuro adulto?
O principal é o amor e a atenção a dar a uma criança, e se é essa a sua preocupação também estamos de acordo.
Acha que pais heterossexuais, dependentes da droga ou do álcool, fanáticos de qualquer ordem, perturbados mentalmente, imaturos, darão melhores pais só por serem heterossexuais do que adultos homossexuais assumidos e equilibrados? Certamente sabe que a pedagogia já há muito tem alertado os educadores para o facto que é preferível as crianças receberem informações/verdades coerentes e consistentes do que terem de enfrentar uma ausência de estratégias educativas. Esta ausência ou ambiguidade de informação é que pode provocar confusão na criança e torná-la num adulto com problemas psíquicos e psiquiátricos. Não pensamos, por isso, que homossexuais assumidos estejam diminuídos neste acto educativo. O seu artigo tornou de facto o caminho mais fácil. Deixemos passar o tempo que lá iremos, embora saibamos que este pode ser um caminho difícil.
António Serzedelo, presidente da Opus Gay
RESPOSTA DE MIGUEL SOUSA TAVARES
O senhor António Serzedelo não sabe do que fala e, assim sendo, a conversa é inútil