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Direitos das Mulheres nos media - I
7 Março 2005



Mulheres-tabu



Numa entrevista recente, Hilary Swank, protagonista do filme "Million Dollar Baby", afirmava: "As pessoas dizem-me que não faço papéis femininos. Mas para mim, Maggie é verdadeiramente feminina. Só que também é uma pugilista. Tudo depende da nossa definição de feminino. Eu diria que vem da força. Vem de sabermos o que queremos. Vem de nos sentirmos confortáveis no nosso próprio corpo. Acho que isso é bonito." (Diário de Notícias, 27/Fev/2005).

São muitas as mulheres de que se fala pouco. São as mulheres-tabu, cujos corpos e identidades ficam ausentes das celebrações públicas pelos direitos que, não obstante, são também os delas.

Ao comemorar mais um Dia Internacional dos Direitos das Mulheres importa lembrar estas outras mulheres, que não são entrevistadas, não correspondem à beleza padronizada, não são líderes, não são mães, nem empresárias de sucesso. As mulheres-tabu não encaixam facilmente no perfil daquelas de quem se ouve falar num dia como este.

O que representa falar de direitos das mulheres para a L., prostituta de rua, 23 anos, de pernas expostas ao frio de mais uma tarde na Estrada da Leirosa, entre camiões e carros e com reduzidas condições de higiene? E o que dizer de Z., 53 anos de engomar, lavar, cozinhar e limpar naquela urgência desenfreada de assegurar um lar perfeito para um marido que já não regressa? Poderá o 8 de Março evitar as insinuações sobre P., 16 anos, de cada vez que decide jogar futebol com os vizinhos do bairro, revelando o seu corpo musculado e robusto? Onde ficam os direitos de M., com uma gravidez que não deseja, por motivos que são seus, e sem saber como minimizar os riscos de ser maltratada, magoada, explorada e ainda julgada pelos tribunais do seu país? E, finalmente, como pensarão este tema a S. e a R., um casal lésbico que planeia ter uma criança, mas cujas leis insistem em classificar a sua família como não-existente, falhando em reconhecer e proteger novos modelos familiares?

Para as mulheres-tabu os dias passam iguais.

As celebrações existem para aliviar o peso de quem, tendo poder para mudar situações incómodas, fracassa na vontade e na coragem. Mas as celebrações, por outro lado, também catalizam indignação e mobilizam iniciativas, como o lançamento de uma nova campanha ou a realização de uma acção de sensibilização numa escola. Aponta-se o dedo a situações insustentáveis. Fala-se de violência doméstica, do 'gap' salarial, das operárias despedidas, do assédio sexual, da discriminação no emprego. Alerta-se para a urgência da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens. Cada vez mais importa sublinhar uma urgência paralela, a da igualdade de direitos entre mulheres, respeitando todas as diferenças individuais. As celebrações, quer sejam em filmes ou através de dias temáticos, servem para que, por um dia, se entreabram as portas cerradas por sistema. E por esse vislumbre, nesse instante de alternativa percebe-se que poderia ser assim muitas vezes, muitos dias, muitos meses. Até que não fossem necessários dias nenhuns, porque as mulheres-tabu seriam aceites pelos seus corpos, pelas suas escolhas, a cada passo.

Ana Cristina Santos, Socióloga - Diário de Coimbra, 7 de Março de 2005
Universidade de Coimbra
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