Política & Direitos
ILGA Portugal
2 Dezembro 2005
Gays e lésbicas iguais perante a lei na África do Sul e na Bélgica
Associação ILGA Portugal reclama cumprimento da Constituição em Portugal
No dia 1 de Dezembro de 2005, o Tribunal Constitucional da África do Sul decidiu obrigar o Parlamento a aprovar casamento entre pessoas do mesmo sexo. No mesmo dia, o Parlamento belga reconheceu o direito à adopção para casais de gays ou de lésbicas. Note-se que o direito à adopção por casais de pessoas do mesmo sexo estava já reconhecido na África do Sul e que, na Bélgica, gays e lésbicas tinham já acesso ao casamento civil. A igualdade plena perante a lei é assim consagrada nestes dois países.
O exemplo do Parlamento belga é extremamente importante por se tratar de um país europeu cuja população é maioritariamente católica. O caso belga demonstra que casamento e adopção são questões separadas, mas que uma verdadeira preocupação com o interesse das crianças só pode levar à abertura da possibilidade de adopção para casais de pessoas do mesmo sexo. Também em Portugal, a análise das causas que motivam a institucionalização de crianças, bem como a consideração do número de crianças institucionalizadas seriam suficientes para, com base numa verdadeira preocupação com o bem-estar das crianças, condenar a exclusão a priori de casais de pessoas do mesmo sexo. E torna-se particularmente difícil justificar a limitação do acesso destes casais à adopção quando, para além de muitos profissionais europeus, os orgãos colegiais de Pediatria, Psicologia e Psiquiatria dos Estados Unidos da América, compostos por muitos milhares de profissionais que têm acesso a toda a investigação produzida neste campo e que conseguem averiguar a sua credibilidade, vêm endossar a adopção por casais homossexuais. É fundamental, por isso, alterar em Portugal esta disposição legal e tratar a questão da adopção com responsabilidade e sem simplismos preconceituosos.
Por seu lado, a decisão do Tribunal Constitucional da África do Sul tem um eco particular no caso português. O referido Tribunal concedeu ao Parlamento sul-africano um ano para reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo (no final desse período, a lei será necessariamente alterada). De acordo com o Tribunal, “a definição legal actual do casamento é declarada incompatível com a Constituição e não válida na medida em que não permite aos casais do mesmo sexo beneficiarem do estatuto e das vantagens, bem como das responsabilidades, que atribui aos casais heterossexuais”. A Associação ILGA Portugal chama a atenção para o facto de existir a mesma proibição explícita da discriminação com base na orientação sexual nas Constituições da República Sul-Africana e da República Portuguesa. Portugal é, aliás, o único país da Europa cuja Constituição inclui essa proibição explícita.
Tal como na África do Sul (e tal como em Espanha), em Portugal também estão em causa um “estatuto” e as respectivas “vantagens” e “responsabilidades”. Ou seja, há neste momento todo um conjunto de direitos e deveres associados ao casamento civil que não estão disponíveis para gays e para lésbicas, no que constitui uma clara violação do princípio constitucional da Igualdade – que, relembramos, diz que “[n]inguém pode ser discriminado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (...) orientação sexual”.
Por isso, e tal como foi afirmado unanimemente por especialistas do Direito português presentes no “Fórum do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo” – iniciativa que decorreu no passado mês de Novembro e que a Associação ILGA Portugal organizou em conjunto com o Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE –, é hoje claro, face à nossa Constituição, que a actual discriminação tem que deixar de existir na lei.
Ao contrário da República Sul-Africana, a República Portuguesa continua a permitir um apartheid em função da orientação sexual. O ideário democrático não é compatível com a manutenção do casamento enquanto privilégio de casais heterossexuais. É por isso que, embora o Tribunal Constitucional português possa também ser chamado a pronunciar-se sobre esta matéria, a Associação ILGA Portugal espera que sejam os próprios partidos políticos com representação parlamentar a reconhecer a necessidade urgente da revisão do Código Civil português para que casais de pessoas do mesmo sexo possam ter acesso ao casamento civil. Sendo a igualdade um valor constitutivo da República Portuguesa, julgamos que esta é uma questão política fundamental – e reiteramos o apelo generalizado à assinatura da Petição que estamos a promover no sentido de garantir a discussão parlamentar desta questão. Esperamos finalmente que os candidatos presidenciais também se pronunciem de forma clara em relação a esta questão – porque se trata enfim, e como o caso sul-africano evidencia, de «cumprir e fazer cumprir a Constituição».
A Direcção e Grupo de Intervenção Política da Associação ILGA Portugal
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