Exmo Sr Deputado, Dr Paulo Portas,
Presidente do PP,
Exmo Sr Deputado, Dr Basilio Horta,
Presidente da Bancada do PP,
Aproveitando esta mensagem para cumprimentar desde já V. Exas enquanto responsáveis de relevo dentro do Partido Popular, vem a mesma expressar uma preocupação, a meu ver legítima e de resolução urgente, face às recentes declarações do Sr deputado regional do Açores do Partido Popular, Paulo Gusmão, no jornal Açoriano Oriental.
No seu artigo intitulado "A esquerda: que família!", e com intenções politico-partidárias que nos abstemos de comentar e que nada têm a ver com o movimento GLBT (gay, lésbico, bissexual e transgender) deste país nem com esta Associação (o facto de a esquerda ter sido receptiva a determinadas aspirações e ansiedades da comunidade GLBT, não torna essas duas realidades idênticas, equivalentes, confundíveis ou co-relacionáveis), revelaram as declarações do Sr deputado em questão uma falta de consciência humanista, política, social e civilizacional, nomeadamente perante a população homossexual deste país, que (a nosso ver) ultrapassam toda a sensatez e limites próprios de um debate que se quer sempre racional e saudável quando estão em causa matérias que envolvem a vida das pessoas e a sua inviolável dignidade.
Ao procurar atacar a esquerda portuguesa - através de declarações ofensivas e gratuitas para com a população GLBT, que só a falta de responsabilidade pode justificar e que são inconcebíveis numa pessoa que ocupa um cargo público que lhe exige responsabilidades acrescidas - o Sr deputado regional Paulo Gusmão não se poupou a meios e trouxe para os leitores do jornal açoriano e para o público português em geral um discurso baseado na ignorância, na agressão, na violência e na discriminação activa, discurso esse que julgávamos irradicado do panorama político que caracteriza a democracia portuguesa. Aliás, perdoem-me o aparte, confesso que desconheço um discurso do género, com tanta agressividade homófoba, na imprensa portuguesa, isto pelo menos desde da implantação da democracia em Portugal. Mas se assim é, se eles existiram e ando distraído, ainda bem que os desconheço: não tenho qualquer gosto em ler linhas análogas às que agora li e episódios destes são profundamente lamentáveis e ofendem a dignidade humana.
Uma citação, concerteza conhecida de V. Exas, mas que tenho que repetir, com a náusea que me assiste o direito de ter: « Desde quando a união de facto entre dois, três ou dez maricas é util à sociedade? ». Outra (e a náusea mantém-se, permitam-me): « Que governo é este que usa os impostos de todos para incentivar desvios sociais? ».
Não é tudo, mas acho que estas revoltantes palavras, por ora, chegam.
Não quero aqui alongar-me sobre o facto de esta não ter sido uma iniciativa governamental mas parlamentar (é distração ou nestas matérias não interessa saber do que se fala?). Não quero também alongar-me sobre o facto de existirem cidadãos a pagarem impostos que não são heterossexuais e que, pelo menos por isso - mas também por valores civilizacionais e humanos que ultrapassam as simples questões fiscais ou económicas - têm o direito a serem tratados como cidadãos de pleno direito em todas as vertentes da sua vida, publica ou privada. Não quero também discutir o direito que alguém tem de ofender aqueles que o elegeram e que, com os seus impostos, lhe pagam um salário para ocuparem os cargos que ocupam. Ainda não quero aqui desenvolver o que já é exaustivo repetir sobre a homossexualidade e os supostos desvios e aberrações: não há desvio nem aberração própria nos homossexuais; há diferença face à maioria dominante, há manifestações de diversidade próprias da sexualidade.
Quero, isso sim, com esta minha mensagem deixar claro que ressalta destas declarações e do tom de todo o artigo uma intenção muito clara e revoltante: em nome de interesses politico-partidários, procura-se diminuir, ridicularizar, ofender e excluir as pessoas a que aconteceu não terem uma orientação heterossexual e que procuram e podem viver a sua orientação sexual homossexual de uma forma saudável, construtiva e integra. O incentivo à discriminação é preocupante nas palavras do Sr deputado P. Gusmão, pois ao invés de diminuirem as dificuldades acrescidas de que são alvo as pessoas GLBT, aumenta-as e incita-as.
Para terminar, e para não me alongar a explicar o que não necessita de explicação quando me dirigo a pessoas inteligentes e conscientes (politica e socialmente) como são V. Exas, torna-se todo este episódio mais grave quando, chamado a justificar-se sobre as declarações que teve a infeliz ideia de publicar, o mesmo deputado que as registou acrescenta ser esta uma posição sua irreversível, mas também representarem as suas declarações a posição oficial do Partido Popular (partido que se afirma, e não tenho razões para o duvidar, de inspiração humanista e democrática e com assento na Assembleia da República).
Nesta medida, venho em nome da Associação ILGA Portugal, e no seguimento de outras iniciativas anteriores - louváveis e compreensiveis - levadas a cabo por grupos, personalidades e instituições que consideraram de extrema gravidade as declarações do sr deputado regional do PP, Paulo Gusmão, pedir a V. Exas, enquanto responsáveis de destaque no seio do Partido Popular, que esclareçam publica e notoriamente a população em geral, e os cidadãos e cidadãs GLBT em particular, sobre a eventual identidade entre as declarações em causa e a posição oficial do vosso Partido, assim como levem V. Exas a cabo todas as iniciativas possíveis para que as devidas e urgentes desculpas sejam apresentadas aos homossexuais deste país e à população em geral por parte do Sr João Gusmão.
Não só considera esta Associação, no seu compromisso de desde sempre garantir uma posição apartidária e equidistante face a todas as forças políticas, necessária esta justificação para se garantirem as relações cordiais, democráticas e saudáveis desta casa com o Partido Popular que V. Exas representam (falo-ia-mos perante qualquer força partidária, da esquerda à direita, em situações equivalentes), como consideramos absolutamente imperativo que estas satisfações e desculpas surjam de modo a perpetuar perante a população em geral a imagem de força democrática e humanista que o Partido Popular quer decerto manter e publicitar.
Esta Associação vem ainda, na pessoa do seu Presidente da Direcção, pedir a V. Exas uma audiência, em oportunidade a determinar, para a discussão específica deste assunto.
Acrescento, para terminar e evitar equívocos à partida, que não nos parece estarem aqui em causa as posições eventualmente diferentes que a Associação ILGA Portugal e o próprio PP tenham defendido sobre matérias como são as uniões de facto, pois essas diferenças revelam apenas que existem diferentes modos de ver o mundo humano e a própria noção de organização social e de família a preservar ou a promover. A posição mais conservadora do PP, face a uma posição mais aberta à diversidade que a Associação ILGA Portugal possa ter sobre a família, onde vê incluídos por exemplo os casais compostos por pessoas do mesmo sexo, não justifica este episódio e não é o assunto agora aqui em causa. Em causa está a responsabilidade política de quem ocupa cargos públicos e dos partidos, tal como a necessidade de preservar, a capacidade do diálogo, do respeito e da democraticidade, não anulando as diferenças de opinião, mas permitindo-lhes conviver e confrontarem-se de forma saudável.
Esperando da parte de Vossas Excelências uma resposta em breve sobre este assunto e com um apelo para que este matéria tenha o tratamento adequado, deixo os meus sinceros cumprimentos e agradecimentos pela atenção prestada.
Atenciosamente
O Presidente da Direcção
José Manuel Fernandes
23 Abril 2001