Comunicado de Imprensa - ILGA Portugal
21 Abril 2005
EM PORTUGAL AINDA HÁ CIDADÃOS DE SEGUNDA POR CAUSA DO AMOR
Congresso espanhol aprova casamento para gays e para lésbicas
No seguimento de uma promessa eleitoral feita pelo actual Primeiro-Ministro espanhol, o Congresso da vizinha Espanha aprovou hoje a modificação do código civil por forma a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo com uma votação favorável de 183 votos, 136 contra e 6 abstenções.
Esta decisão reflecte sondagens recentes que apontavam para uma percentagem de 66% de espanhóis a favor desta alteração do código civil e reflecte, sobretudo, uma efectiva preocupação do Partido Socialista espanhol (PSOE) com a igualdade de direitos: “É injusto ser um cidadão de segunda por causa do amor”, afirmou a deputada socialista Cármen Monton.
Em Portugal, o Artigo 36º da Constituição refere que "Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade." Mais: Portugal é o único país europeu cuja Constituição proíbe explicitamente a discriminação com base na orientação sexual (Artigo 13º). No entanto, o casamento civil continua a existir exclusivamente para casais constituídos por pessoas de sexos diferentes, numa clara violação da Constituição.
Os deveres fundamentais do casamento civil estão claros na lei portuguesa: assistência (alimentos e contribuição para os encargos da vida familiar), fidelidade, respeito, cooperação, coabitação. No entanto, embora muitos casais de gays e de lésbicas já cumpram estes deveres, há vários exemplos do conjunto de direitos e deveres que diferenciam o casamento civil da união de facto:
Registo — não existe a possibilidade de registo da União de Facto e a lei não especifica os mecanismos pelos quais se faz prova de viver em união de facto;
Heranças — as pessoas que vivem em união de facto não são herdeiras uma da outra; cada uma pode fazer testamento a favor da outra, mas esse testamento apenas permitirá especificar o destino de parte do património (não havendo cônjuge, existe uma quota indisponível que se destina necessariamente a descendentes e ascendentes);
Adopção — o direito à adopção continua consignado apenas para as uniões de facto entre pessoas de sexo diferente;
Dívidas — são da responsabilidade exclusiva da pessoa que as contrair, mesmo se contraídas em benefício do casal, pois não existe património comum;
Direito ao nome — não há possibilidade de escolha da adopção de um apelido d@unid@de facto;
Regime patrimonial — ao contrário do casamento civil, a união de facto não permite a escolha de um regime de comunhão de bens ou comunhão de adquiridos.
Um casal heterossexual pode, considerando os conjuntos de direitos e deveres inerentes, optar pelo casamento civil ou pela união de facto — duas figuras jurídicas que têm, como se viu, diferentes implicações embora sejam baseadas num mesmo modelo de conjugalidade.
Um casal de gays ou de lésbicas tem apenas acesso à união de facto. Esta discriminação é real e afecta as vidas de muitos casais de gays ou de lésbicas.
É por isso que, a par dos E.U.A. e do Canadá, vários países da Europa têm vindo a alargar o casamento civil a casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. A Bélgica veio juntar-se à Holanda, seguindo-se agora a Espanha.
Também em Portugal, o facto de se atribuir o mesmo reconhecimento legal a casais de pessoas do mesmo sexo não terá qualquer implicação sobre a liberdade de outr@s. Casais heterossexuais continuarão a ter exactamente a mesma liberdade de escolha. Nesta questão, liberdade e igualdade são, afinal, perfeitamente compatíveis.
No entanto, há vozes discordantes em relação ao reconhecimento dos casais de pessoas do mesmo sexo:
• Fala-se na impossibilidade de ter filhos em conjunto, quando nem o casamento civil pressupõe a reprodução nem a reprodução pressupõe o casamento (o casamento civil é obviamente possível para pessoas estéreis ou para pessoas para além da idade reprodutiva).
• Mistura-se casamento civil e adopção, quando a adopção é uma outra questão regulada, aliás, por uma lei específica.
• Na falta de argumentos racionais, tenta-se ainda uma "táctica do susto" falando nas ameaças da poligamia e do incesto, quando não há qualquer reivindicação social nesse sentido e quando, sobretudo, não existe qualquer relação lógica entre essas questões e o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.
Fala-se portanto de cor, tentando de todas as formas dissimular a questão essencial: essas vozes reproduzem apenas um preconceito associado ao fundamentalismo religioso, vindo de pessoas que lidam mal com a igualdade e precisam de continuar a ver gays e lésbicas como cidadãos de segunda. Curiosamente, são também essas pessoas que, em geral, desvalorizam completamente o casamento civil face ao religioso, perdendo toda a legitimidade para se intitularem "protectores" do casamento civil.
As objecções quanto ao casamento civil para gays e lésbicas têm, por isso, e afinal, uma só fonte: a homofobia. Por cá, a sua promoção continua a merecer espaço mediático, quando é indissociável da discriminação agora constitucionalmente proibida. Pelo contrário, urge combater a homofobia na sociedade e na lei.
Assim, é fundamental e urgente que o Governo português compreenda que o casamento não pode ser um privilégio de casais heterossexuais e tome medidas concretas no sentido de garantir que casais de gays ou de lésbicas, que se amam e que se comprometeram a partilhar de forma plena as suas vidas, possam ver esse amor e esse compromisso igualmente reconhecidos e valorizados pela sociedade que integram.
Lisboa, 21 de Abril de 2005
Pel’A Direcção e Grupo de Intervenção Política da Associação ILGA Portugal
(Prof. Doutor Manuel Cabral Morais, Presidente da Direcção da Associação ILGA Portugal)
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