Maio 2000
Mesmo no nosso vizinho "liberal" as coisas não são exactamente lineares. Este texto é o relato feito por Carlos S. Olmo Bau da HERALKES.
Múrcia, Fevereiro 2000: O Fiscal do Supremo Tribunal de Justiça e o Juíz do Registo Civil oposeram-se ao
matrimóno entre uma mulher e um transsexual que fez uma operação de mudança de sexo passando
a ser homem. Entenderam que o casal (que já recorreu perante a Direcção Geral dos Registos
e Notariado do Ministério da Justiça, e pensa chegar ao Constitucional se necessário) não podia
ser constituído como casamento civil. Porquê? O Ministério Público entende que se pode
mudar de sexo e nome no Registo Civil, mas isso não significa que a pessoa que antes
estava inscrita como mulher possa a partir desse momento ser considerada homem para
todos os efeitos.
Lleida (Catalunha), Outubro 1999: O titular do Julgado de Primeira Instância e
Instrução número 7 de Lleida autorizou uma pessoa que tinha trocado de sexo
a contraír matrimónio como mulher. O juíz ordernou que se alterasse o sexo no
Registo para ser listada como mulher. Entre os argumentos que fundamentam
esta decisão (uma das primeira que perimitiram a um transsexual casar-se como
mulher em Espanha) encontra-se a consideração lógica que "uma situação como
a transexualidade tem necessariamente que supor uma admissão plena da
capacidade de ser mulher em que alguém se converteu, incluindo para os
efeitos de contrair matrimónio como tal, já que em nada é contra as
normas de ordem pública". A sentença acrescenta ainda que "seria
absurdo possibilitar operações de transsexualidade sem trocar a
considerção pública" da pessoa que se submete às mesmas.
É bastante frequente que assuntos muito semelhantes se resolvam de
forma diferente por juízes e tribunais, cada qual interpreta de
maneira distinta idênticos preceitos legais. É algo sem dúvida
problemático, sobretudo na medida que origina uma certa insegurança
jurídica (que é mais um dos problemas que tem a Admistração da
Justiça que, como disse alguém, consegue ser má, lenta e injusta).
Como é natural não é algo necessário e intrinsecamente errado. E
não me parece mal voltar aos tempos do "uso alternativo do direito" onde
a possibilidade de interpretar as normas, se bem que dentro de alguns limites,
era o que em algumas situações permitia ao direito avançar até à justiça.
É este o caso da sentença de Lleida, que não só é única mas também excepcional;
em contraposição a situação de Múrcia, que segue as linhas delineadas pelo Supremo
Tribunal ou a Direcção Geral dos Registos e Notariado, aprofundado a
restrição de direitos, na discriminação e, como consequência, na injustiça. Esta
concordância com a jurisprudência e as directrizes existentes, chega quase ao
insulto no sentido comum e carece da mínima coerência lógica exigida para o
desempenho efectivo de um ordenamento jurídico. Permitir as operações de
mudança de sexo e seu reflexo nos registo apenas para efeitos de
mudança do Bilhete de Identidade, limitando a prática efectiva de
outros direitos, limitando a dignidade da pessoa, com base no cromossoma e
negando os elementos psicológicos, é uma cruel tomada de posição.
No fundo desde tipo de decisões está, por um lado, a não aceitação da
transexualidade, e de outro a considerção pré-diluviana que uma das
finalidades do matrimónio é a procriação. Por um lado tolera-se as
mudanças de sexo, mas não se aceita nem se respeita semelhante decisão.
Por outro lado, considera-se que o direito (constituicionalmente reconhecido) que
os homens e mulheres podem contrair o matrimónio só pode ser aplicado a pessoas
que nasceram homens e mulheres. Na realidade a constituição não exclui o matrimónio
entre homens nem o matrimónio entre mulher, por muito que o posterior esquema
legal impeça as pessoas do mesmo sexo desse "negócio jurídico" que é casar-se. Mas
isso é outra história. A verdade é que os casos apresentados são entre homens e
mulheres. Homens e mulheres que nasceram com genitais distintos do que a sua
consciência e desejos reclamavam para si, mentes num corpo "enganado", que tiveram
a coragem de tentar endireitar as sua vidas.
Artigo original em castelhano de:
HERAKLES-SAFO Asamblea para la Libertad Sexual
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Tradução: © 2000 PortugalGay.PT