De acordo com o estudo "Criminalidade sexual contra crianças e jovens - 2006", de um total de 1376 inquéritos, 996 dizem respeito ao abuso sexual de crianças. Em 2004 eram 1062, enquanto em 2005 registaram-se 904 queixas. Trata-se, segundo o Código Penal, de um crime que envolve menores de 14 anos e abrange não apenas acto sexual de relevo, cópula e coito, como exibicionismo e pornografia.
Estas participações de abuso de crianças dizem respeito a 958 vítimas, 75% das quais do sexo feminino. Do lado dos 843 arguidos e suspeitos, 4% são mulheres. E se a faixa etária mais afectada é a dos 8-13 anos, envolvendo 441 vítimas, não deixa de ser significativo o número de vítimas até aos três anos 58 (dos 4 aos 7 anos, são 175).
Com uma média de 2,76 participações por dia, o abuso sexual de crianças é, de longe, o mais assinalado nos inquéritos policiais. Segue-se-lhe a violação de menores de 16 anos, com 105 denúncias, contra 28 em 2004.
Para Carlos Poiares, professor de Psicologia Criminal da Universidade Lusófona, a explicação para o grande aumento do número de queixas está no Processo Casa Pia. "Os números revelam que, de há quatro anos a esta parte, as notícias sobre a Casa Pia fizeram com que as pessoas perdessem o pudor e a inibição de falar sobre esses assuntos e denunciassem os casos", referiu.
Questionado sobre o facto de 30% das queixas sobre abuso sexual de menores não configurar qualquer crime, Carlos Poiares realçou a "dramática e certa guerra do poder paternal". É comum, explica, que, em casais separados e desavindos, as mulheres acusem os pais de abuso sexual dos filhos, como forma de vingança pelo colapso do casamento. "São os trunfos de batota que usam para impedir a visita dos filhos ao pai. O rejeitado usa armas imorais para obter as suas pequenas viganças".
No entender de Carlos Poiares, as denúncias têm de ser investigadas e analisadas por psicólogos vocacionados para a área forense com crianças. "Ao longo do inquérito, é fácil perceber que a história denunciada não pode ser verdadeira e que tudo não passa de retaliação de um dos progenitores sobre o outro".
Actos com adolescentes
Os números do DCICPT relativos a 2006 dão também conta de um ligeiro aumento na participação de "actos sexuais com adolescentes", que chegaram aos cem, mais 29 do que em 2005. Praticados por maiores de idade, implicam cópula e coito oral ou anal com menores dos 14 aos 16 anos. Em alta está ainda o "abuso sexual de menores dependentes", jovens dos 14 aos 18 anos agredidos pelos tutores legais, que quase duplicou entre 2005 e 2006 (de 30 para 57 queixas).
Os restantes tipos de crimes sexuais implicam o abuso de pessoa incapaz de resistir (71 queixas no ano passado, com variação mínima em três anos) e de pessoa internada (três em 2006, um em 2005 e três em 2004, envolvendo também adultos) e actos homossexuais com adolescentes (dez, contra 12 em 2005 e oito em 2004).
Abusador e violador
A crer no perfil desenhado pelo cruzamento de informações do Sistema Integrado de Informação Criminal (SIIC) da Polícia Judiciária, o abusador de crianças revela-se diferente do violador de jovens com menos de 16 anos. Com excepção da realidade profissional do autor do crime com ligeiras variações percentuais, são os trabalhadores não qualificados e os operários e artífices os principais grupos referenciados. Mas, se atentarmos nas restantes variáveis, o panorama é bastante diferente. O abuso sexual de crianças tem como autores maioritários indivíduos dos 31 aos 40 anos (25%), enquanto a violação de menores de 16 tem a maior faixa de agressores entre os 21 e os 30 anos (37.5%). Da mesma forma, 78% dos autores de violação são solteiros, contra 43% nos casos de abuso de crianças, crime em que os agressores casados representam 33.5 % e os divorciados 9%. Também varia a nacionalidade: 86% dos casos de abuso são atribuídos a cidadãos portugueses, número que desce para 56% na violação de menores (25% dos casos envolvem pessoas vindas de África e 12.5 % da Europa de Leste). Os operários e artífices são, de resto, a categoria profissional mais assinalada na maioria das tipologias de crimes sexuais contra crianças e menores, à excepção dos actos homossexuais com adolescentes, em que a primeira referência é a do técnico profissional de nível intermédio.
(por Fernando Basto e Ivete Carneiro com Nuno Miguel Maia)