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Segunda-feira, 22 Fevereiro 2016 22:41

OPINIÃO
Geração Gisberta, por Sérgio Vitorino



PortugalGay.pt

Dez anos passaram sobre o dia 22 de Fevereiro de 2006, em que o corpo da mulher transexual Gisberta Salce Júnior foi recuperado do fundo de um poço num prédio inacabado na cidade do Porto.

OPINIÃO: Geração Gisberta, por Sérgio Vitorino

É inegável o impacto que este “caso” teve e ainda tem na memória colectiva, na evolução do movimento LGBTI (Lésbico, Gay, Bissexual, Trans e, já podemos dizê-lo também hoje em Portugal, Intersexo), hoje com cerca de 25 anos de existência e intervenção, se considerarmos não apenas a criação formal das primeiras associações (ILGA Portugal em 1995, Opus Gay e Clube Safo em 1996…), mas também, sem desvalorizar tentativas efémeras nos anos 70 e 80, os quatro, cinco anos prévios de acção política pública do precursor Grupo de Trabalho Homossexual do Partido Socialista Revolucionário (GTH-PSR, criado em 1991 e extinto em 2001, no contexto do advento do Bloco de Esquerda) no qual comecei a minha militância pela causa.

Igualmente evidente é o perdurar da marca dessa memória no início de uma grande (mas incompleta) alteração do olhar mediático e social sobre as questões trans e da identidade de género, nas caminhadas legislativas que só a partir deste crime se puderam iniciar (mas estão longe de ser suficientes ou satisfatórias).

A esta distância, para compreender o que se passou e a dimensão destas consequências, é necessário recordar os aspectos mais violentos, não apenas deste assassinato, mas de como ele foi gerido pela Justiça, descrito pelos meios de comunicação e, em geral, encarado pela sociedade portuguesa, que, de certa forma, assassinou Gisberta uma segunda vez. Como é já tempo de relatar, analisar e deixar registada a história das intervenções que não permitiram que este fosse “apenas mais um caso” ou que sobre ele se abatessem vários mantos de desinformação e silêncio. Vale a pena analisar em detalhe cada uma destas consequências que atribuímos ao “caso Gisberta”, os seus avanços, percalços, insuficiências, as resistências que se exerceram (inclusivamente a partir de dentro do movimento), bem como reconhecer que cada uma das transformações que refiro encerra, em si, contradições profundas.

É tão correcto dizer que a violência que matou Gisberta, exercida por um grupo de rapazes com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos de idade, “chocou o País” e “mudou tudo”, como reconhecer que essa indignação foi parcial e selectiva, não alterou o essencial, nem motivou, embora influencie continuamente esse combate, as mudanças legais, sociais, políticas necessárias para que um dia possamos dizer que Portugal é um País que respeita integralmente as identidades trans.

É tão certo reconhecer que "nada ficou igual" porque este foi "um caso excepcional” – pela idade dos agressores (apenas um não era menor), pela gravidade da consequência letal num País em que, ao contrário de muitos outros, não estávamos habituadxs a lidar com assassinatos frequentes de pessoas trans –, como admitir, pesados os factores que conduziram ao crime, que de “excepcionais” eles tiveram pouco na medida em que as condições necessárias estavam criadas para que ocorresse, que “excepcional" foi a divulgação pública que teve, o ter-se sabido, e que – como reafirmam ainda hoje outras mulheres trans amigas de Gisberta – “sempre houve e há muitas Gisbertas, só não tiveram a mesma atenção”, já “nas nossas vidas nada mudou”.

Lembremos, por exemplo, que nas semanas e meses que se seguiram, as pessoas trans que, como Gisberta, exerciam trabalho sexual na zona da Rua Gonçalo Cristóvão, ainda hoje utilizada para esse fim, foram continuamente perseguidas e agredidas por grupos de pessoas que passavam de automóvel. Lembremos que apenas dois anos após o femicídio de Gisberta, Luna, outra mulher trans e trabalhadora sexual que exercia a actividade na Rua do Conde Redondo, em Lisboa, seria também morta e o seu corpo encontrado num contentor de lixo em circunstâncias que continuam hoje por esclarecer.

Recordemos, entre tantos outros casos idênticos, o bem mais recente (2015) suicídio de Santiago Martinez, jovem trans motivado pelas violências (várias) e morosidade de que ainda hoje estão imbuídos os processos clínicos de “redesignação de sexo", pela incompreensão geral e expectativas defraudadas, em suma, morto pela transfobia.

Sejamos clarxs: deste ponto de vista, o chamado "caso Gisberta" só seria excepcional se não soubéssemos que as pessoas que, pela sua identidade ou expressão de género ou pelas suas características físicas (sexuais), contradizem a tese exclusiva do binarismo pelo qual todo o ser humano é forçosamente “homem OU mulher” dentro de parâmetros psicológicos e físicos monolíticos, delimitados e sem variação possível, são alvo de inúmeros tipos de violência simbólica, física e, já agora importa destacar, ainda no Portugal de hoje, institucional e, contraditoriamente, legal.

Como escrevi em 2006, em reacção a um título do jornal Público – “Como foi possível?” – não só é evidentemente possível, como foi provavelmente possível em muitos casos que não chegaram ao conhecimento público. Finalmente, só espanta que um crime com este nível e contornos de gravidade não tivesse ocorrido antes (se é que não ocorreu).

Morrer duas vezes

Mas essa probabilidade não ganha forma apenas pelo facto de Gisberta Salce Júnior ser uma mulher trans, duas das principais “causas” de agressão e morte violenta em todo o mundo. Além de ser imigrante e trabalhadora do sexo, ela acumulava ainda outros factores bem conhecidos de discriminação que, como sabemos, tendem a afectar em particular (e as pessoas trans não são excepção) determinados grupos sociais socialmente marginalizados: encontrava-se sem-abrigo, era seropositiva e toxicodependente e tinha também contraído tuberculose – encontrava-se, a todos os níveis, de fraca saúde, numa situação extremamente degradada e de enorme vulnerabilidade.

Completa o quadro o facto de os seus agressores, que já anteriormente a perseguiam e agrediam regularmente, serem quase todos menores institucionalizados, para mais numa instituição católica (Oficinas de São José) destinada a crianças pobres, ali sujeitas a um quadro de doutrina intolerante, maus-tratos (oportunamente denunciados por duas técnicas prontamente despedidas), ausência de contexto educativo e afectivo e verdadeiro abandono, pois das ruas onde deambulavam e se constituíram em “bando” só recolhiam à instituição para pernoitar.

Deveria ser quase desnecessário relembrar o – então, ao rubro – “caso Casa Pia”, ou as duas crianças atiradas ao Tejo na semana que acaba de passar, as imensas falhas de um sistema de “protecção de menores” que “lava mãos” (para preencher as da Igreja Católica Apostólica Romana - ICAR) das suas responsabilidades sociais directas sobre mais de metade dxs menores institucionalizadxs no País, “armazenando” crianças e jovens retiradxs às famílias para sua protecção à mistura com outrxs alvo de medidas tutelares educativas (por prática de crimes), para reforçar automaticamente as probabilidades em jogo. Mas acrescentemos ainda a tais evidências a ineficácia deste sistema face à gigantesca realidade dos abusos e maus-tratos a menores em Portugal – quantos deles em contexto familiar (heterossexual, diga-se) – e a (pré) realidade de violência que levou, desde logo, à institucionalização das crianças e jovens que mataram Gisberta. Quem só conheceu a linguagem da violência a reproduzi-la de novo.

A idade dos agressores é igualmente central para compreender a reacção pública e mediática a este crime. Que se concentrou quase exclusivamente numa espécie de incredulidade perante a capacidade de alguém tão novo poder matar – o desculpabilizador “pobres miúdos” – e quase nada na pessoa que foi morta, quase nunca “pobre Gisberta”, a sua humanidade quase inteiramente soterrada sob o monte de estereótipos com que era continuamente descrita sem mais; a sua identidade de género, a sua doença ou o seu modo de vida apontados como “causa” do sucedido, Gisberta a ser uma e outra vez responsabilizada pelo seu próprio femicídio por tantos comentadorxs da treta que já clamavam que o caso não podia ser qualificado de “crime de ódio” (como se veio a comprovar que foi) antes mesmo de se conhecerem minimamente os seus contornos – a componente sexual do crime manifesta em três dias de tortura que incluíram sevícias sexuais, a curiosidade mórbida e ódio expressos em julgamento pelos rapazes quanto a “homens com mamas”, a ocultação do corpo no fundo de um poço, antecedida da tentativa frustrada de o queimar (ambas com Gisberta ainda em vida e pedindo socorro). A publicação, estranhamente e por demasiado tempo, num único jornal (do Porto), dos detalhes conhecidos logo no dia 24 de Fevereiro quanto à existência dessas sevícias sexuais ou da possibilidade de Gisberta se encontrar ainda viva quando foi atirada ao poço.

Ou também as declarações de um (ainda hoje) alto representante da ICAR, o padre Lino Maia, responsável pelas Oficinas de São José, invocando que pelo menos um dos rapazes era alvo de abusos sexuais por um pedófilo, o que seria “circunstância atenuante”, numa tentativa vergonhosa de associar Gisberta e o conjunto da comunidade LGBT a pedofilia. E a contínua e repetida ignorância dos media, que insistiam (ainda hoje há os que insistem) em ignorar as declarações e acções de quem, no movimento LGBT, tentava denunciar correctamente o ocorrido. A teimosia em trocar o género de Gisberta usando repetidamente o pronome masculino e o seu nome legal – “o transexual”, “o travesti”, “o sem-abrigo, seropositivo, imigrante, toxicodependente, prostituto… GisbertO” –, a confusão acrítica entre o termo policial "travesti" e a noção de “transexualidade", o estereótipo de todas as pessoas trans como prostitutas drogas e seropositivas, o desconhecimento completo da realidade das vidas trans, da existência de homens trans e não apenas mulheres, do significado de “pessoa transgénero”, da diferença com “transexual”, da noção de “identidade de género” ou da sua distinção necessária relativamente a “orientação sexual”. As tentativas de desinformação – ainda por cima noticiadas como verdades – de que os resultados ainda não conhecidos da autópsia não permitiriam esclarecer a causa de morte, como se não fosse possível determinar se Gisberta morrera ou não por afogamento, e a sugestão posterior, confirmada pela incapacidade do tribunal de determinar que rapazes cometeram que actos concretos (e consequente ausência de pena por assassinato, o único jovem com idade para responsabilização penal foi condenado por “omissão de auxílio”), de que afinal, tendo morrido afogada, a responsabilidade última caberia à água do poço, e não a quem a atirou lá para dentro incapacitada, amarrada a um barrote.

A repetição mediática exaustiva da ideia de que tudo fora apenas “uma brincadeira de crianças que correu mal”, expressa por “fontes judiciais” antes da sentença e repetida na própria sentença pelo juiz.

Por outras palavras… permitido torturar, permitido violar, permitido matar pessoas transexuais, consequência jurídica praticamente nula.

Das lágrimas de crocodilo às resistências internas

Do governo às instituições, do universo partidário à imprensa, durante demasiado tempo, a lentidão em reagir, apenas o "choque", esta indignação selectiva sem consequências reais, sem conclusões, análise ou medidas. Pior… a pressão insustentável – a que foi pública e aquela que nunca veio à luz do dia mas se pressentia a cada omissão – para que o caso fosse rapidamente silenciado.

A certa altura, o CDS-PP (fóbico apenas quando lhe convém), a clamar pelo baixar da idade de responsabilização criminal, como se esta pudesse prevenir tais casos, como se o Estado que se desresponsabiliza de tantas formas dxs menores e jovens em risco e dos seus deveres sociais tivesse moral para a mera repressão das consequências do que cria, como se o fundamental não fosse apurar as responsabilidades criminais do jovem que tinha efectivamente idade para ser responsabilizado, ao invés de uma vez mais minimizar a gravidade do próprio crime com o argumento da idade dos agressores.

Meros quatro/cinco dias depois da macabra descoberta, nem uma notícia nos meios de comunicação, numa inusitadamente rápida perda de interesse público. A recusa da maior parte da imprensa em publicar qualquer fotografia de Gisberta que finalmente lhe atribuísse um rosto (humanizando!), ou em procurar descrever a sua vida prévia à degradação – uma mulher amada, cordial, generosa que foi em determinado período uma estrela do transformismo e, diz quem a conheceu, chegou “a ser feliz”.

Tudo isto com a “ajuda”, por incapacidade, incompreensão e/ou mera inacção, de parte – inicialmente a maior parte – das associações e colectivos “LGBT”, cuja sigla não correspondia, na verdade, a uma realidade efectiva de intervenção e investimento em todos sectores que exprime – ainda hoje a distribuição equilibrada desse esforço deixa a desejar – já que as agendas “gay” ou masculina, da “orientação sexual” e das reivindicações maioritárias – como a do casamento igualitário – sempre dominaram, tendendo a silenciar ou menorizar as restantes.

É justo referir que todos os colectivos, à excepção da associação trans (a primeira, e até então, a única) @t., caíram na armadilha mediática inicial de usar o termo “travesti” nos seus comunicados iniciais, quando era ainda escassa a informação, e baseada apenas no relatório policial. É igualmente justo reconhecer que os processos de inclusão das “minorias dentro das minorias” foram, na generalidade dos movimentos LGBTQI (o Q é de queer) do mundo ocidental, progressivos, e não dados de partida. É até necessário admitir que há passos, tomadas de consciência, aprofundamentos de complexidades, afinamentos de terminologias que só o tempo faz evoluir por mais boa vontade que se tenha. Lembro-me bem, por exemplo, de quando se usava em exclusivo o termo medicalizante “homossexuais”, e não os autodefinidores “gays, lésbicas, bissexuais”, da inexistência ou invisibilidade de temas já hoje trabalhados como “assexualidade" ou “poliamor”, da escolha de deixar de dizer “discriminação das pessoas homossexuais” em vez de “homofobia, lesbofobia, bifobia…”, porque “ninguém entenderia esses termos desconhecidos”, ou até mesmo do desconforto de “mulheres homossexuais” da primeira vez que ouviam a palavra “lésbica”.

Mas é historicamente fiel lembrar as resistências à assumpção pelo movimento “LGBT” da causa da identidade de género e à presença trans, ou às questões de género em geral, por exemplo com a Opus Gay a recusar a inclusão da questão da despenalização do aborto ainda o movimento associativo dava os primeiros passos. Da mesma forma que a ILGA Portugal resistiu como pôde e enquanto pôde a referir o caso Gisberta como "crime de ódio"; depois a falar de "transfobia" porque ninguém entenderia, tentando qualificar o femicídio de Gisberta como “homofóbico”; depois recusando-se a participar numa vigília por Gisberta frente ao Patriarcado de Lisboa (mesmo apoiada pelo seu fundador e pela organização internacional que integra, a ILGA-Europa) argumentando que apontar à ICAR era errar o alvo, e que o alvo estratégico deveria ser o Estado (o que era certo, mas no contexto deste caso em que a igreja era centro e interventora, obviamente insuficiente).

Há momentos dramáticos e decisivos na história de qualquer movimento social em que o trigo se separa do joio pela capacidade de autocrítica, de reavaliação dos erros, em benefício da capacidade de reagir e fazer a diferença. Felizmente, isso acabou por ser entendido por quase todo o movimento, que foi finalmente conseguindo reagir. Mas foi este o contexto em que, não fosse a reacção intensa, teimosa, dxs poucxs activistas trans da altura… – destacando-se Jó Bernardo, fundadora da @t.; Lara Crespo e Eduarda Santos, que participavam na mesma associação; Stef (nas, e junto com, as Panteras Rosa), que face aos sinais de silenciamento e falsificação da verdade organizaram com sucesso a primeira campanha internacional contra o assassinato de uma pessoa trans, com múltiplas acções frente a consulados portugueses, não calando inclusivamente as críticas às próprias reacções inadequadas vindas de dentro do movimento – … e todo o preconceito, desinformação e silenciamento teriam efectivamente vencido.

Com excepção – por vezes também são pessoas individuais que iniciam mudanças – dxs muito poucxs jornalistas (destaco Ana Cristina Pereira, no jornal Público, ou Fernanda Câncio, do DN) que produziram então excelentes artigos e alguns dos primeiros exemplos de tratamento jornalístico sério, de análise social e não caricaturizante da temática trans.

Não é só de honestidade histórica a importância do reconhecimento destes factos, pois ela permite-nos compreender como, de várias maneiras, este tipo de resistências se continua hoje a articular. Como transfobia, lesbofobia, bifobia, a própria homofobia (que dizemos, neste caso, “internalizada”), racismo e xenofobia, sexismo, serofobia e uma lista de outras discriminações continuam a exprimir-se no seio da comunidade LGBT, muitas vezes a coberto de uma cultura da masculinidade no universo gay (leia-se machista), da recusa do “efeminado” (leia-se, do feminino) ou de uma pretensa e ignorantemente simplificadora superioridade das culturas e regimes dos chamados “países ocidentais” ou ocidentalizados face às de outras regiões e povos do mundo – falo do que hoje se denomina de homonormalização ou homonacionalismo, que explicam parcialmente um recente e expressivo "voto homossexual" na Frente Nacional francesa. Como somos capazes de ser carrascos de nós mesmos. Como, independentemente das escolhas livres e legítimas de modo de vida de cada pessoa, os discursos que dominam publicamente e no próprio movimento associativo, normalizantes e assépticos que buscam a exclusão da diversidade na própria “comunidade LGBT”, o apagamento das suas “margens, o evitar das óbvias ligações a lutas contra estigmas como os que recaem sobre pessoas toxicodependentes, com hiv, que fazem trabalho sexual… a escolha política de procurar o fim da discriminação pela “integração” do aceitável pela maioria hetero, ao invés da “transformação” radical de uma sociedade fóbica… reforçam finalmente o domínio do sexismo, do heterossexismo ou do cissexismo e outras opressões, mais do que combatem realmente as suas estruturas.

Foram precisos quase estes dez anos para que hoje, finalmente, a generalidade do movimento LGBT tenha aderido à luta pela despatologização das identidades trans, condição central para a autodeterminação e autodefinição das pessoas trans, ainda hoje classificadas como “doentes mentais”.

E, no entanto, move-se…

O caso de Gisberta foi determinante para a inclusão da “identidade de género”, além da “orientação sexual” como agravantes de “crimes de ódio” na última revisão do Código Penal. Foi igualmente marcante de uma nova visibilidade da temática, que permitiu a aprovação da actual "Lei de Identidade de Género", que passou a permitir às pessoas trans a alteração administrativa do nome e sexo nos documentos de identificação sem necessidade de cirurgia ou de um processo jurídico, apesar de ainda dependentes do aval médico para o usufruto desse direito.

Urge, hoje, ir muito mais longe. Incluir no artigo 13º da Constituição, que elenca os factores pelos quais ninguém pode ser discriminado, a “identidade de género”. Aprovar uma nova lei, despatologizante, que permita essa alteração de nome e sexo (enquanto este continuar a ser exigido como uma categoria de identificação, o que também é discutível) no registo civil, e o acesso às operações cirúrgicas de redesignação através de uma simples declaração de consentimento informado e sem necessidade de um diagnóstico de “Perturbação de Identidade de Género” ou “Disforia de Género”.

Exigem-se cuidados de saúde trans-específicos, com acompanhamento psicológico para quem dele necessita, e não obrigatório como é hoje. Exige-se que o Sistema Nacional de Saúde garanta cuidados de saúde adequados, gratuitos, de qualidade, sem procedimentos obrigatórios, sem coerção, com consentimento informado, no respeito dos Standards of Care da World Professional Association for Transgender Health (WPATH). Exige-se ao Estado que garanta alternativas credíveis quando o SNS não esteja em posição de garantir esses cuidados, como ocorre actualmente com as cirurgias de “redesignação de sexo”.

Exigem-se políticas activas contra a discriminação e pela inclusão das pessoas trans, contra a discriminação na escola, condições laborais e de acesso ao trabalho, sistema de saúde e demais instituições, públicas ou privadas. Políticas activas de combate ao estigma, educação para a liberdade de expressões e identidades de género, para a diversidade de género e características sexuais. Sem esquecer, em ligação com outras áreas inseparáveis da temática, por exemplo o apoio e legalização das pessoas migrantes indocumentadas ou pelos direitos de quem exerce trabalho sexual.

Se há, para concluir, marca concreta e preciosa herdada do horror vivido por Gisberta em 2006, é a nova geração de activistas trans que tem vindo a surgir com novas noções, perspectivas, ensinamentos, e estas (e outras) reivindicações, visível em exemplos de auto organização de pessoas trans (e intersexo, toda uma outra temática, diferente da temática trans embora com pontos em comum, que também fará o seu caminho), falando em voz própria (como só pode ser), redefinindo o activismo e a própria realidade que xs rodeia. Saiba o restante movimento ser, sem cedências nem resistências, o aliado que esta geração merece.

por Sérgio Vitorino, Trabalhador precário.

Participa no colectivo Panteras Rosa - Frente de Combate à LesBiGayTransfobia

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