20 anos de Luta e Festa
Portugal mudou, mudou muito e para melhor nestes últimos 20 anos. Uma das áreas em que esta mudança foi mais evidente foi a das questões ditas LGBT (QI et al).
Não foi só a sigla em si que cresceu, passando a incluir não só Lésbicas e Gays, mas também Bissexuais e Transsexuais, e mais tarde, Queers, Intersexuais e outros desviantes à norma heterossexista vigente. Foi acima de tudo o espaço de visibilidade e a “aceitação social” que se ampliaram: de um quase silêncio mediático, artístico e político passámos para um momento de evidente não negação. Cresceu ainda a protecção conferida pelas mudanças legislativas significativas que se operaram nestes poucos anos.
Mas esta mudança não aconteceu por acaso ou só devido a mudanças operadas noutros países. Estas profundas mudanças sociais, ainda que não tão profundas como gostaria, ocorreram devido ao trabalho, ao empenho, à entrega pessoal de muit@s activistas. Foram estas pessoas que, em diversos grupos formais ou informais, de múltiplas formas colaborantes e complementares, ainda que por vezes também em conflito e confronto, alavancaram a sociedade, os media e os partidos políticos para a mudança.
No ano de 1996 nasceu, não só o PortugalGay.pt, mas também o Clube Safo, aquela que foi a primeira (única?) associação exclusivamente lésbica em Portugal. Sobre o trabalho, a dedicação, a coragem, o engenho, a entrega das pessoas que dinamizaram estes dois grupos muito haveria a dizer. Num momento em que os homossexuais visíveis ainda eram considerados como “mártires”, em que o silêncio era a norma e que não havia qualquer tipo de apoios, nem paceiros institucionais para estes grupos, ter a ousadia de avançar contra a maré era uma luta difícil.
A internet que despontava foi um espaço privilegiado de procura, não só de informações e contactos, mas também de identidade e apoio, de convívio, amor e sexo. O PortugalGay.pt, soube encontrar o equilíbrio entre todas estas faltas e ser um útil e poderoso instrumento de criação de comunidade.
Muito daquilo que sou como pessoa se deveu ao meu percurso como ativista lésbica nestes 20 anos. Portanto a Luta e a Festa fazem parte da minha identidade, do meu discurso e das histórias que conto aos meus filhos. Na minha memória as histórias lutam por um lugar no discurso à lareira mas de todas uma se destaca: o surgimento da primeira Marcha do Orgulho em Portugal.
A ideia surge num encontro do Clube Safo, ocorrido em Lisboa, na sede da associação Opus Gay sobre o tema (in)visibilidade lésbica. Falávamos dos obstáculos à visibilidade das mulheres lésbicas e de que fora ela se poderia promover e incentivar. Foi a Mica que se referiu à falta que fazia em Portugal um momento de visibilidade que fosse simultaneamente um evento reivindicativo, político e um momento de festa e celebração da diversidade das identidades unidas pela bandeira do arco-íris. Um momento partilhado em que pudessem participar tod@s aqueles que entendiam necessária a mudança.
Colocou-se a questão da visibilidade, de as pessoas, em particular as mulheres, terem medo de dar a cara, de poderem aparecer numa televisão ou numa folha de jornal. Foi sugerido que a organização disponibilizasse máscaras a tod@s aqueles que as desejassem usar. O argumento seria: não temos vergonha, temos razões para ter medo!
O Clube Safo apresentou a provocação às outras associações e, após alguma discussão, a proposta foi aceite! Em 2000 realizou-se a primeira Marcha em Lisboa.
O meu muito obrigada a tod@s @s que contribuíram para o surgimento e manutenção deste (ainda) importantíssimo momento de Luta e Festa, em especial ao PortugalGay.pt.
Fabíola Neto Cardoso, Março 2017
Santarém
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