igualdade - Petição quer acabar com inconstitucionalidade da lei que impede homossexuais de casarem Reunidas quase as 4 000 assinaturas que obrigam o Parlamento a debater a matéria
A Constituição proíbe explicitamente, desde 2004, a discriminação com base na orientação sexual. No entanto, o Código Civil limita o casamento a pessoas de sexo diferente. A comunidade homossexual quer acabar com esta discriminação que considera inconstitucional e, para forçar os deputados a debaterem um tema politicamente incómodo, vão apresentar uma petição pela igualdade de acesso ao casamento. As quatro mil assinaturas necessárias estão praticamente reunidas.
Na semana passada, a África do Sul aprovou o casamento entre homossexuais e a Bélgica autorizou a adopção de crianças por pessoas do mesmo sexo. Anteontem, começaram a realizar-se os casamentos de gays e lésbicas no Reino Unido. Em Portugal - um dos três países do Mundo que proíbe de forma inequívoca a discriminação sexual -, a discussão ainda está no adro, mas ameaça saltar para a arena mediática.
O primeiro passo está dado a petição a exigir o agendamento da inconstitucionalidade da proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo deverá ser entregue, brevemente, na Assembleia da República. Paulo Côrte-Real, dirigente da Associação Ilga Portugal, disse ao JN que, desde que a iniciativa foi lançada, em fins de Setembro, o número de apoiantes não tem parado de crescer e o objectivo está praticamente atingido.
JS e Bloco ajudam
A etapa seguinte é pedir reuniões aos grupos parlamentares, de forma a obter apoios que garantam o agendamento do debate, "o mais rapidamente possível", sublinhou o coordenador do Grupo de Intervenção Política da Ilga. Para já, existe o compromisso da Juventude Socialista e do Bloco de Esquerda de levar o tema ao hemiciclo, ainda esta legislatura.
O que está em causa é o direito de pessoas do mesmo sexo puderem casar civilmente, no mesmo quadro de direitos e deveres do que os casais heterossexuais. Ou seja, os gays e lésbicas portugueses querem ter a possibilidade de escolher, como qualquer outro cidadão, se preferem viver em união de facto ou assinar o contrato de casamento. O acesso a este direito não está ligado a outros direitos que a comunidade homossexual também reivindica, como a adopção de crianças.
Paulo Côrte-Real explica que "a aliança e a filiação são coisas diferentes" e que o direito ao casamento não pode estar condicionado a outras questões. A separação do casamento e a reprodução é, aliás, um dos argumentos para a recusa da proibição do acesso de pessoas do mesmo sexo ao contrato civil. Da mesma forma que não se exige ao homem e a uma mulher casados que tenham filhos, nem se exclui as pessoas incapazes de terem descendência, não é legítimo discriminar os homossexuais, sustenta o responsável pela organização activista dos direitos da comunidade homossexual, lésbica e transsexual.
Embora a união de facto entre pessoas do mesmo sexo já seja reconhecida, só o casamento pode consagrar o acesso à herança, reforma em caso de morte do companheiro, assistência na saúde, protecção alargada da casa de morada de família. E também deveres como a responsabilização por dívidas contraídas em comum.
O direito ao casamento, embora bastante valorizado, não consta entre as prioridades dos homossexuais portugueses. A conclusão é do primeiro estudo que analisa a percepção dos direitos entre a comunidade homossexual de Portugal.
João Oliveira, investigador do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e um dos autores do estudo, explicou ao JN que a população homossexual se sente fortemente discriminada, pelo que, no topo das preocupações, está a protecção em casos de violência homofóbica. O direito ao casamento, embora muito valorizado, aparece em último lugar numa lista de direitos. Outro dado apurado pelo estudo é que a reivindicação do casamento é mais elevada entre os homossexuais com um nível mais elevado de escolarização.
Advogado apadrinha casal gay
Um advogado de Lisboa está disposto a patrocinar a luta jurídica de um casal de gays ou lésbicas que queira casar em Portugal. A ideia é forçar, pela via judicial, o debate em torno da constitucionalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, proibido pelo Código Civil. Luís Grave Rodrigues já publicitou a sua oferta em blogs homossexuais e, embora tenham aparecido vários casais interessados em casar, ainda nenhum decidiu encabeçar essa luta. O advogado explicou ao JN que é necessário um casal comparecer numa conservatória do registo civil e apresentar o pedido de casamento. O conservador vai negar o pedido e é com base nessa recusa que Luís Grave Rodrigues quer iniciar uma luta de recursos que poderia estender-se até ao Tribunal Constitucional. "Se fosse declarada a inconstitucionalidade da norma do Código Civil, o casamento teria de ser permitido. Embora a decisão valesse apenas para o caso em questão, suscitaria o debate e, depois de três acórdãos idênticos, teria força de lei geral", sublinhou o advogado. Em sua opinião, a via judicial poderá ser a forma de obrigar o poder político a acabar com uma inconstitucionalidade intolerável num Estado de direito.