É um daqueles casos em que a justiça portuguesa nem foi especialmente lenta: um ano e quatro meses depois de a sua tentativa de casamento civil numa conservatória de Lisboa ter sido rejeitada, o caso de Teresa Pires e Helena Paixão passou pela primeira instância do Tribunal Cível, pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo e está onde desde o início do processo se esperava que chegasse: no Tribunal Constitucional (TC).
O requerimento para entrada do recurso deu entrada no fim de Maio, e o advogado das duas mulheres, Luís Grave Rodrigues, espera agora que este seja aceite para entregar as alegações. Inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação - que constituiu a palavra final dos tribunais "ordinários", já que o Supremo considerou que não devia sequer apreciar o recurso dessa decisão - o advogado comenta: "Não posso admitir que um acórdão da Relação diga que o casamento é uma 'instituição'. O casamento é uma instituição na Sé de Braga. Para um tribunal, um casamento só pode ser um contrato." Mas maior indignação suscita-lhe o facto de o acórdão em causa dizer que a alteração de 2004 da Constituição, que veio proibir a discriminação em função da orientação sexual, "não trouxe nada de novo". E sobe o tom: "Quem é que o relator da Relação pensa que é para dizer que o parlamento fez uma formulação constitucional inútil? Isso é o fim do Estado de Direito, uma visão deformada por preconceitos que não sei quais são. É inadmissível. Não acredito que o TC não dê uma chapada de luva branca a um acórdão que tem o topete de dizer que uma parte da Constituição é inútil".
Mas embora sublinhe a sua "muita esperança no Tribunal Constitucional", não era esta, a via jurídica, que o causídico desejava para esta questão: "A Teresa e a Helena não querem uma resolução do Tribunal Constitucional para daqui a dez anos. Gostariam de ver uma resolução política." Mas estas palavras, proferidas em Fevereiro de 2006, caíram em saco roto. Certo é que o BE e Os Verdes elaboraram projectos de Lei no sentido de modificar o Código Civil, mas estes acabaram por não ser discutidos no plenário, já que o PS anunciou só estar disponível para esse debate em 2009.
"Falta de coragem política"
Sem medir as palavras, Grave Rodrigues faz o diagnóstico. "Tudo isto resulta de uma falta de coragem do poder político português de fazer algo tão simples como fez Zapatero". Resta-lhe então esperar que o TC siga o exemplo do seu congénere da África do Sul. Neste país, um dos únicos do mundo em cuja Constituição, tal como na portuguesa, está expressa a proibição de discriminação em função da orientação sexual (artigo 13º), o TC considerou inconstitucional, face ao recurso de um casal de nubentes do mesmo sexo, a proibição desse tipo de casamento plasmada na lei ordinária e deu indicação ao parlamento no sentido de mudar a lei, o que este veio a fazer em 2006.
Mas, como vários observadores reconhecem, o recurso para o Constitucional é "um pau de dois bicos". Se a decisão for a de considerar que não há inconstitucionalidade nos artigos 1.577º e 1.628º do Código Civil, que estatuem, respectivamente, que o casamento civil é celebrado entre duas pessoas de sexo diferente e que é nulo o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, municiará os opositores de uma mudança da lei e dará um poderoso alibi àqueles que defendem a criação de um casamento "especial" para pessoas do mesmo sexo. Grave Rodrigues, no entanto, considera que " do ponto de vista político ficará tudo como está. Tudo em aberto"
(por Fernanda Câncio)