Faz hoje 25 anos que os Centers for Disease Control and Prevention, nos Estados Unidos, anunciaram os primeiros casos de uma nova doença em homossexuais, que viria mais tarde a ser designada como sida.
Mais de duas décadas depois, a doença mudou. A sida era, sobretudo, uma doença masculina, em que os grupos mais afectados eram os homossexuais e os toxicodependentes (com infecção por via venosa), para ser, cada vez mais, uma infecção de mulheres e de heterossexuais.
Mas as mudanças não se ficam por aí. Segundo o estudo do INE, da autoria de Maria dos Anjos Leitão de Campos, a mortalidade entre 1998 (primeiro ano em que o INE dispõe de números) e 2003 é reveladora de outras alterações: o número de mortes tem diminuído e a esperança de vida das pessoas infectadas aumentou.
Infecções em idades mais tardias
O grande momento de mudança aconteceu em 1996 - ano em que, em Portugal, ainda se registou um aumento de 17 por cento dos óbitos, com o número recorde de 1111 mortes. A partir dessa data, a tendência tem sido de descida. Por exemplo, em 1997, as mortes desceram para 972 (menos 12.5 por cento do que no ano anterior).
Ser 1996 o ano viragem não é um acaso, explica o director do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar de Coimbra, António Vieira. Foi essa a data do Congresso de Vancouver, no Canadá, em que peritos internacionais chegaram à conclusão de que a terapêutica combinada, que junta vários fármacos, era mais eficaz. Desde então, a terapêutica "deu muitos anos à vida e deu vida aos anos" das pessoas infectadas, refere o responsável.
Enquanto, no início, se morria em pouco mais de dois anos - porque o diagnóstico era feito quando o doente já tinha manifestações de sida - hoje, desde a detecção da infecção (que se faz precocemente, devido ao rastreio), pode viver-se mais 10 a 15 anos, dá conta António Vieira. "A doença tende para uma evolução longa."
São estas mudanças que o estudo do INE, publicado no último número da Revista de Estudos Demográficos, testemunha. Nas palavras da autora, "a redução de mortalidade é muito visível nos jovens dos 15 aos 24 anos". Nos 20 aos 24 anos, as mortes chegaram a representar 11 por cento dos óbitos, em 1995; em 2003, a proporção desceu para 2.5 por cento. Morre-se, assim, cada vez mais tarde de sida, assumindo crescente importância os óbitos acima dos 55 anos, e principalmente acima dos 65 anos, lê-se no estudo.
Em 1998, não havia um único registo de mortes entre os 70 e os 74 anos; em 2003, já eram 2,6 por cento do total de mortes por HIV/sida.
Vítor Duque, professor de Infecciologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, afirma que são vários os factores que explicam este prolongamento da vida dos doentes. Se é verdade que a medicação anti-retrovírica veio aumentar-lhes a sobrevida, especialmente a partir do momento em que se veio generalizando, também é notório que há infecções em idades cada vez mais tardias, a partir dos 50 a 60 anos.
O prolongamento da vida sexual - proporcionado por medicamentos como o Viagra - e o aumento da esperança de vida potenciam relações sexuais até mais tarde e, por vezes, a existência de comportamentos de risco. "Muita gente vive só e procura satisfação sexual na prostituição ou noutros grupos de risco", comenta Vítor Duque.
Mulheres mais velhas em risco
O prolongamento da vida sexual masculina tem outras consequências: há cada vez mais mulheres infectadas pelos maridos. No início da infecção, as mulheres mais jovens procuravam fazer testes de despistagem mais cedo porque sabiam que tinham tido comportamentos de risco, diz Vítor Duque, que é também responsável pelo laboratório de Virologia do Departamento de Doenças Infecciosas dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Agora são mulheres cada vez mais velhas que desconhecem estar em risco e que, por isso, têm diagnósticos tardios da doença. Ainda são os homens que mais morrem por sida, mas se, em 1988, havia 844 mortes masculinas para 100 femininas, em 2003 a desproporção é cada vez menor: os óbitos dos homens descem para metade (414), os das mulheres mantêm-se nos 100.