Estes textos são também um desafio aos nossos leitores a uma reflexão e, quem sabe, que possam também contribuir com a sua visão das coisas. O mundo tem tantos tons quantas as pessoas que nele vivem.
20 ANOS DEPOIS
Quando, há 27 anos atrás, conheci o companheiro da minha vida, nunca sonhei que um dia pudéssemos vir a casar neste país à beira mar plantado. A ideia nem nos passava pela cabeça e, em termos de questões LGBT, esse foi o mais mediático passo dado em Portugal nos últimos 20 anos. Mas não o mais importante.
O que muitos de nós não sabem ou recordam, é que só em 22 de Abril de 2004 é que é aprovado na Assembleia da República a inclusão da "orientação sexual" no Artigo 13º da Constituição Portuguesa. Passando o nº 2 desse artigo a ter a seguinte redacção: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Parece mentira que isso só aconteceu em 2004, mas o problema não foi só uma questão portuguesa, mas sim universal. Só em Dezembro de 2000 é criada a “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”. Este documento foi assinado pelos presidentes do Parlamento Europeu, Conselho da União Europeia e Comissão Europeia e tem como principal objectivo a protecção dos direitos humanos e sua implementação. Importante para a comunidade LGBT é o nº 1 do Artº 21: “É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões politicas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.”
É verdade que nestes últimos 20 anos, ganharam-se direitos e reconhecimento como nunca tinha acontecido antes. Mas ainda há tanto a fazer por esse mundo fora. Continuam a existir países (o Afeganistão, o Sudão, a Arábia Saudita, Mauritânia e outros) onde a prática homossexual pode levar à prisão e mesmo à pena de morte. Como se isso não bastasse, recentemente tenho notado um retrocesso de mentalidades quanto à comunidade LGBT (por exemplo o que se passa presentemente na Rússia e nem quero imaginar o que pode acontecer se Trump ganhar as eleições nos Estados Unidos).
Sempre achei que os media têm uma grande importância na forma como as pessoas encaram a nossa comunidade e, como sabemos, estes fazem-no geralmente de forma negativa. Por exemplo, os media não estão interessados em comentar o casamento de dois gays com comportamento masculino, mas se um deles for vestido de noiva isso já é notícia. Por vezes interrogo-me sobre o que os media poderiam fazer para mudar a ideia negativa que as pessoas têm da comunidade LGBT. Todos sabemos que o que vende jornais são as notícias sensacionalistas. Quem é quer ler sobre um gay que é feliz na sua pele?
O grande problema é que, quando um homossexual é condenado por, por exemplo, pedofilia, esse crime é automaticamente imputado, não só pelos media mas também pela opinião pública, a toda a comunidade LGBT. Quando um heterossexual é condenado por ter violado uma menor, a opinião pública não imputa esse crime a todos os heterossexuais, mas sim àquele homem em particular. É esta a grande diferença, e isto é algo que tem que ser mudado. No fundo, o que é necessário são notícias positivas sobre a comunidade LGBT. Que revelem que somos pessoas iguais aos heterossexuais, que muitos dos nossos membros são pessoas talentosas, que é possível existir relações estáveis entre duas pessoas do mesmo sexo, que existem membros capazes de dedicar as suas vidas a causas sociais. Sei que não é fácil e que o receio de retaliações homofóbicas leva a que muitos de nós não dêem a cara aos media, mas julgo que este é o único caminho.
Mudando de assunto, uma das grandes diferenças que eu noto no universo LGBT português é a forma como as pessoas se relacionam. Quando eu era jovem, a internet era algo impensável e para conhecermos alguém tínhamos que sair para a rua e procurar os locais de engate. Graças à internet tudo isso mudou, agora é talvez menos pessoal mas mais fácil. Nestes últimos 20 anos houve uma enorme evolução, nem sempre para o melhor, nesse campo - confesso que chega a ser irritante ver tanta gente agarrada aos telemóveis a consultar o Grindr ou outros tais. Se isso faz as pessoas mais felizes não sei, mas pelo menos aquele rapaz ou rapariga que vive isolado numa aldeia algures em Portugal, sabe que não está sozinho na sua sexualidade e isso é positivo.
Não me lembro se o site do PortugalGay.pt foi o primeiro do género em Portugal, mas foi o primeiro com o qual tive contacto e talvez o primeiro a tentar reunir a comunidade LGBT portuguesa. Ainda hoje é um local onde podemos saber o que se passa em Portugal em termos de eventos LGBT e que evita ser um sítio apenas para engates. Há muitos anos atrás, fui convidado pelos seus fundadores para escrever, numa perspectiva gay, críticas de filmes e assim nasceu a Miss Diva; durante cerca de um ano fui colaborador e sinto-me orgulhoso de ter feito parte da história do PortugalGay.
Não sei o que nos reserva os próximos 20 anos, mas acredito que vamos continuar a enfrentar homofóbicos, a lutar por mais direitos e a tentar não perder os que temos, não podemos ter medo de sermos quem somos.
Pode não ser fácil, mas é bom sabermos que não estamos sozinhos e que vale a pena lutar por sermos felizes.
Jorge Tomé Santos, Outubro 2016